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Crônicas e Rimas, Cleber Rangel de Sá, Crônicas e Poemas, Português, São Paulo, Editora Graphic Express, 2007.
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Prefácio
O escritor brasileiro, nascido em Belo Horizonte,
Fernando Sabino, costumava dizer que crônica é
todo texto assim chamado pelo autor. E acrescentava
nesta definição também o conto. Exageros mineiros à parte, a crônica é, dos gêneros literários, o único
nascido com o jornal diário. Nela habitualmente
comenta-se o fato importante do dia, um detalhe
crítico de uma notícia que pode passar despercebida
pelo leitor ou ainda a descrição de uma aventura
pessoal do autor. Vários aproveitam para se mostrarem
e, nessas demonstrações, esperam que o leitor
se identifique com eles nas grandezas ou nas mesquinharias. É possível que o leitor me surpreenda,
esclarecendo outras situações nas quais a crônica
está presente e não foram aqui citadas.
O gênero se tornou tão importante, que diversos
textos de Rubem Braga, o mestre maior delas,
chamados de crônicas por ele mesmo, foram-lhes
atribuídas as exigências literárias teóricas do conto
e assim ficaram registradas e imortalizadas na literatura
brasileira.
O leitor notará neste volume que Cleber Rangel
de Sá, advogado atuante em São Paulo, segue os caminhos do descrito anteriormente, mencionando
várias vivências pessoais e relatando-as como se conversasse
conosco. E ao conversar, há uma dosagem
de advogado, consultor, observador do cotidiano
e amigo do leitor, que faz dos seus textos lições
de humanismo, tão necessárias nos dias de hoje. Como todo cidadão de bem, o autor confessa-se
perplexo diante de situações políticas vividas pelo
país, aberrações jurídicas que há muito deveriam ter
sido extintas e, cheio de esperança, pondera, sugere,
aconselha e aguarda um retorno de suas palavras. Ocasionalmente abre seus textos com citações de
autores importantes, nos chamando a atenção para
pensamentos fundamentais que, à primeira vista,
podem lembrar sentenças de auto-ajuda. Não são.
São máximas pinçadas em textos importantes e que
nos faz sentirmo-nos melhor. Em outras crônicas,
Cleber Rangel de Sá, intencionalmente ou não, nos
faz, simultaneamente, rir e sentir uma empatia pelo
advogado batalhando pelo prazo que se esgota dentro
de poucas horas e sendo impedido de trabalhar
por retumbantes brados de megafones que chegam
ao nono andar do seu escritório, ou ainda, perturbações
originárias de uma velha canção religiosa que,
perseverando, nos tortura o resto do dia.
Seus poemas, na mesma linha das crônicas,
chamam a atenção para fundamentais verdades
que raramente percebemos: não somos quem pensamos que somos. Habitualmente nos atribuímos
uma importância que começa circular e termina
dentro de nós mesmos, sem nenhum respaldo na
realidade objetiva. Acreditamos que o mundo gira
e existe porque estamos nele. Deprimimos quando
alguém ousa pensar o contrário, nos remetendo a
uma imagem especular que não queremos ver.
Por tudo isso, o leitor de Cleber Rangel de Sá,
ao terminar a leitura deste livro, terá material para
rir, chorar, revoltar-se, criticar e, achando que
não pode fazer mais do que já faz politicamente
na vida, exercer o último de seus direitos: o juris
sperniandi, o direito de espernear. Em todas essas
atitudes demonstrará o humanismo que se espera
dos habitantes deste “Planeta Azul”.
Carlos Perktold – Colaborador do Caderno “Pensar”
do Jornal “O Estado de Minas Gerais” e da Revista da
Academia Mineira de Letras. Psicanalista em Belo Horizonte.
Integra o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais,
a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), a
Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) e o
Instituto Histórico e Geográfi co de Minas Gerais. É autor
de “Ensaios de Pintura e de Psicanálise” e de “Caixa de
Ferramentas”, ambas pela Editora Internacional.
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Apresentação
Sem exceção, ao longo da vida, as pessoas contam
histórias. Sobre os outros e sobre elas próprias. Cada
um à sua maneira: no boteco, na esquina, no portão
vizinho, no telefone, por e-mail, no orkut, na música,
no teatro, nos livros, etc.
Seja qualquer for o meio, somos todos nós narradores
e atores do cotidiano.
E cá estou eu, com textos rimados e crônicas,
testemunhando o meu tempo, expondo as entranhas
do meu pensar, correndo todos os riscos de quem
ousa contar um pouco mais de si.
No cotidiano, sem pensar e sem sentir, as pessoas
fazem uma espécie de catarse, um derramamento
de sentimentos. É nessa fonte que os narradores
colhem material.
Tão intenso é esse exercício que, lendo textos
feitos por mim, muitas vezes tenho a sensação de
que o narrador é uma outra pessoa recontando as
coisas que eu lhe contei.
Por isso, não vejo nada de especial na figura do
narrador. Ele apenas observa os verdadeiros atores
da cena, cuidando para selecionar detalhes quecomporão cada um dos roteiros.
De especial, apenas a destinação do produto
da venda deste livro: Tudo será usado em benefício
da Alvorada, Instituição de Promoção Humana,
que se estrutura para desenvolver um trabalho de
recuperação da auto-estima de seres humano a quem
quase tudo foi negado desde que nasceram.
Lá, ninguém ficará internado. Será uma casa
aberta. Com cores e luzes portadoras da esperança,
pela via do calor humano.
O trabalho da Alvorada estará ao lado de quem
precisa de apoio para fazer melhor o que já fazem.
Na escola. Na profissão. Na vida, enfim.
Tudo será claro.
Tudo pela Internet. Das ações às contas.
O trabalho já pode ser conhecido pelo site
www.alvorada.org.br
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Agradecimento
Mesmo comprometido com algo sério, nenhum
esforço terá resultado se não tiver apoio.
E o apoio só vem com dois tipos de motivação: a
da sensibilidade com a melhoria de uma sociedade
e, inevitavelmente, a financeira.
O projeto deste livro, a exemplo dos dois anteriores(*),
do mesmo autor, apenas se tornou realidade
pelo decisivo apoio de Carlos Sérgio Serra e de sua
equipe liderada por Nelson Colete.
A estrutura da Aduaneiras, da Cenofisco e da Lex
foi disponibilizada para todo o processo de produção
do livro, com recursos iguais aos usados para
o preparo das obras que são comercializadas pelo
Grupo Empresarial.
Isenta de custos, a Alvorada Instituição de Promoção
Humana recebe e agradece esse importante
apoio e conta com ele no futuro.
(*) Fragmentos de Emoção, de 1988, com renda destinada ao CVV
Centro de Valorização da Vida, Posto Barra Funda.
(*) Traços, Abraços, de 1997 com renda destinada à Fraternidade
Irmã Clara.
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Mulher
Hoje, você é o assunto preferido.
No tempo, o pedaço da humanidade mais esquecido.
Você faz vida com arte.
Você tem a arte da vida.
Com defeitos, afetos, acertos, erros, tudo meio
incerto, assim ...
Você é parte de mim.
Com certeza, a minha melhor parte.
Muitas vezes barrada em cerimônias, em templos,
mesmo, na barriga, portando o templo mais
sagrado, o da vida.
Mulheres: amadas, desamadas, mães, irmãs, amigas,
filhas.
Está na hora de reagir, de achar a trilha,
de acertar de jeito, no peito, a praga do preconceito,
de alimentar esperanças e verdades,
de salvar crianças de qualquer idade,
de matar desenganos,
tudo o mais para que, em tempo futuro,
não mais se comemore dia de nada, de ninguém,
apenas dias de ser humano.
Que assim seja!
Amém.
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E se não der certo?
É conhecido o hábito de alguns, que investem meses para planejar um acontecimento de apenas um dia.
Não menos conhecida é a prática de outros, que planejam, em apenas um dia, o que vão realizar em um ano.
Nas duas situações pode haver exagero.
Costumo comparar certas pessoas aqueles times de futebol que entram em campo amendontrados com a fama do time adversário. Para os primeiros, antes mesmo do apito inicial do árbitro, a derrota já é inevitável.
De fora do campo é a mesma coisa. Diante de uma idéia inovadora, antes mesmo da primeira análise, há pessoas que já assumem uma posição resistente. Negativa.
Chego a pensar que essas pessoas criam dificuldades até mesmo para serem ajudadas.
Devem pagar horas-extras para os chamados anjos da guarda. Aliás, para esses anjos deve ser tempo perdido o trabalho por esse tipo de gente.
É que o “cliente” não ajuda, sempre aderindo à conhecida “Lei de Murphy”, segundo a qual, “se for possível algo não dar certo, não tenha dúvida: Vai dar errado”.
O convívio no ambiente terreno deixa a impressão de que a maioria das pessoas joga nesse “time” que vai na “bola” sem nenhuma esperança de ganhar e que considera destino sofrer “goleadas” na vida.
Eu não estou nem aí para fórmulas vencedoras (até porque não sei como consegui-las). Não tenho talento nem história para isso.
Mas, que é bem melhor conviver com idéias vencedoras, isso é.
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Perplexidade
Hoje fiquei sabendo que o então presidente daquela que é considerada a maior democracia do mundo cogitou o uso da bomba atômica na guerra do Vietnã.
Como sempre acontece, aquela foi uma guerra mais econômica que ideológica. Com certeza, estúpida como todas as guerras.
Na do Vietnã, o já na época maior arsenal bélico do mundo não conseguiu derrotar nem o inimigo externo (os vietcongs), nem o inimigo interno (a opinião pública americana).
Alguém se achou no direito de conceber tamanha maluquice, mesmo sabendo das terríveis conseqüências do anterior uso de artefatos atômicos muito menos poderosos que os similares disponíveis nos anos 70.
O meu susto não foi pelo fato de o episódio envolver uma grande nação, que vive tentando dar lições de liberdade e de respeito aos direitos da pessoa humana, apesar de, por exemplo, lançar mão de táticas ilegítimas para aviltar os ganhos de países como o Brasil, quando para eles exportam, ou para evitar o controle de poluentes, esistindo ao chamado “Protocolo de Kioto”.
Que o ser humano tem sido sempre pior do que antes todo mundo já sabia. Mas, o que imaginar da “produção intelectual” desses chamados líderes da atualidade ?
É... Saber e Sabedoria são realmente valores muito diferentes.
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A Emoção faz a diferença
Troço chato é formatura. Os rituais são sempre parecidos; os discursos e os conselhos, as luzes, as fotos, as becas...
Dia desses eu fui a uma dessas solenidades. Aliás, fui a duas nos últimos meses.
É que as “crianças” vão crescendo e compartilham essas ocasiões com os mais velhos.
E, como da outra vez, lá estava uma menina que vi crescer.
Testemunhei os muitos esforços no vestibular para a faculdade pública; a luta durante o curso, os estágios, o sono adiado. Afinal, o objetivo alcançado.
Carreira dura, testemunho da vida, do sofrimento, da morte... e o convívio com os números. Afinal, por que não se traduz em números o impacto social da riqueza? Talvez porque ninguém morra de fartura.
Mas, as formandas de beca, chapéu e tudo,
dançavam, faziam troça atrás daquela mesa sisuda e empertigada.
Tem sido bom confirmar que, em eventos como iniciações, cultos religiosos, aniversários, visitas hospitalares e... até formaturas, o grande diferencial é o sentimento dos protagonistas, seja daqueles que caminharam, seja daqueles que testemunharam a caminhada.
Eu tenho tomado banhos de emoção nessas ocasiões.
Valeu Daniela. Valeu Roberta.
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Vidas Secas
Algo me diz que estou na contramão.
E aquela voz lá de dentro pergunta: Mas como é que você não assiste a um programa de TV tipo (agora é moda falar tipo) sucesso em boa parte do mundo civilizado?
Por que você não se interessa, como a maioria, pelo que acontece em uma casa fechada cheia de pessoas, públicas ou não?
A gente pode ficar ali, espiando tudo, até as intimidades!
E vem a sensação que deve ser parecida com a daquela mulher que conheci e que não podia ir a enterros. Algum mecanismo nervoso disparava nessas ocasiões e ela era acometida de um incontrolável acesso de riso. Ela não mais ia a eventos fúnebres, não somente para não “pagar mico” mas, especialmente, para preservar a sua integridade.
Ou seja, estou com a impressão de que sou “do contra”, de que não aceito aquilo que os outros aceitam ou consomem na maior naturalidade. Por que essa inapetência de curiosidade sobre o que se passa na vida privada de pessoas que renunciaram à privacidade?
Que ambiente é esse em que multidões de telespectadores “investem” boa parte de suas existências para “fuxicar” sobre o alheio?
Ainda no tempo em que não existiam as TVs a cabo, e as TVs abertas saiam do ar a uma certa hora da madrugada, eu era plantonista do CVV e os telefones do posto “disparavam” logo após o “chuvisco” tomar conta do último canal.
Na época, as pessoas, sem a opção da fuga para a TV, davam-se conta de suas angústias e ligavam para um serviço que se propunha (e se propõe) a escutar pessoas solitárias (mesmo aquelas fisicamente acompanhadas).
Bem, pelo visto, boa parte desse contingente que ia para os telefones passou a esquecer as suas angústias mexericando o alheio.
Serão os sinais dos tempos?
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Incoerências
Ir para então voltar.
Rir pra não chorar.
Mentir pra esquecer.
Trair pra mais querer.
Procurar se não quero achar.
Estudar só pra esquecer.
Voltar pra então partir.
Resolver pra complicar.
Amar só pra ganhar.
Recuar, se quero chegar.
Odiar, se vou crescer.
Terminar pra renascer.
Guerrear pra depois dormir.
Acalmar, não apaziguar.
Acarinhar antes de ferir.
Amar pra depois matar?
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Paixões
Juntamente com o ódio, o medo é a mais triste das paixões tristes. Quem o sentiu sabe...
Marilena Chauí, filósofa.
Como diriam os adolescentes, a filósofa “pegou pesado” com esses dois sentimentos que, não raro, separados pelas emoções, acampam em nós. Ou, pior, às vezes até juntos.
Não creio na capacidade, de quem quer que seja, para descrever o ódio ou o medo.
Atingido por um desses “vírus”, o ser humano fica irrreconhecível. E não me venham os “experientes” narrar situações passadas e bem sucedidas.
Não. Não vale! Somente aquele que está sentindo – e no momento em que está sentindo – estará autorizado a dizer algo confiável.
E o intérprete há de estar preparado para a “coleta” do material sem infectá-lo com preconceitos. Ou inutilizará a “experiência”.
Também aqui o Gilberto Gil tem receitado um instrumento infalível: “a lente do amor”, pela qual as impressões podem ser colhidas de forma isenta, pelo efeito da assepsia própria desse sentimento maior, o que não permitirá que as impressões do “que está sendo” desfigurem as aparentes incoerências do pesquisado.
Serão essas incoerências que darão as dimensões e a silhueta do tipo de paixão ou de medo que está acometendo no momento.
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Flagelo Humano
Carregando minhas imperfeições, sou daqueles que pensa que a vida sempre merecerá uma chance.
Confio em que, por mais nublado que seja o tempo, sempre haverá a espera pela luz do sol, que virá, trazendo a vida e revelando as cores.
Mas, há fatos que abalam essa certeza.
Hoje a imprensa noticiou um episódio que, se confirmado, prejudicará muito mais que a um ser, mas toda a sua espécie.
Segundo a matéria, um dos mais conceituados terapeutas, meu vizinho aqui do Brooklin (aliás, o meu bairro não tem dado muita sorte com os seus moradores, porque o cativeiro do publicitário Washington Oliveto também ficava aqui perto de casa), dopava os seus pacientes adolescentes para com eles praticar aquilo que a lei chama de “atos libidinosos”.
Recomendam prudência alguns episódios escandalosos do passado, depois esclarecidos como lamentáveis erros de diagnóstico das autoridades e terríveis “barrigadas” da imprensa.
Como integrante da espécie humana eu torço para, no final, tudo não passar de um terrível equívoco.
Mas, e se não for? E se o tal profissional realmente se aproveitava do seu ofício para dar vazão às suas taras?
Bem, aí eu não vou saber o que dizer...
Como poderá um ser humano conviver com essa degradante exposição? E os seus familiares? E os jovens atacados? Suas famílias?
Como é complicado o ser humano!
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O Magistério dos Reprovados
Triste, não fosse cômico, que governantes de certos países e integrantes de alguns organismos internacionais repitam, ao Brasil e a outras nações do (lamentavelmente) chamado terceiro mundo, lições e lições de humanidade, de civilidade, de ética e de
tantos outros valores tão ou mais importantes.
Não ignorando os deprimentes índices de desenvolvimento humano aqui da nossa terrinha querida e de muitos outros lugares desse mundão afora. Mas, como podem ditar regras ao mundo sociedades que:
– têm grande parte do seu PIB originado no comércio de armas;
– fomentam guerras sanguinárias;
– patrocinam políticas de restrição a exportações de povos emergentes;
– impõem caros modismos a essas sociedades, aumentando a alienação da sua gente;
– fecham os olhos ao consumo de drogas dentro das suas fronteiras, aumentando a importação”
de narcóticos dessas Sociedades cada vez mais miseráveis;
– restringem o desenvolvimento dessas sociedades, sucateando crescentemente o seu parque industrial;
– privilegiam grandes interesses econômicos em prejuízo de vidas humanas (vide o caso das patentes dos remédios integrantes do “cocktail” anti-HIV);
– empurram-nos goela abaixo o seu lixo cultural; e
– rejeitam tratados internacionais destinados a controlar o aquecimento do Planeta Terra.
Não estaria na hora de dar um espelho para essa gente?
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Não tenho Tempo
Não tenho tempo porque:
administro mal o meu tempo;
não sei escolher as minhas prioridades;
não desenvolvi a sensibilidade de saber o que é mais importante na minha vida.
Não tenho tempo porque gasto o meu tempo cuidando da vida alheia, tentando que as pessoas pensem que eu tenho mais importância do que realmente tenho.
Não tenho tempo porque me deixei levar pelas futilidades; pelas etiquetas da moda; por um carro em que algumas letrinhas a mais indicam maior luxo.
Não tenho tempo porque, na verdade, penso ser mais importante do que os demais e, assim, não tenho tempo para notar que involuo na direção do atraso.
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Comportamento
A TV tem mostrado algumas situações em que as pessoas agem de forma quase instintiva, reproduzindo hábitos ruins em prejuízo de toda a sociedade.
Fica a impressão de que os veículos passaram a donos dos espaços e a certeza de que as pessoas assumem uma personalidade diferente quando pilotam suas máquinas.
No Rio de Janeiro, o estacionamento sobre as calçadas e a velha mania dos taxistas, que fazem xixi dentro dos túneis.
Em São Paulo, passa de pai pra filho a “tradição” de buzinar quando se está dentro dessas passagens subterrâneas!
Eu tenho certeza de que você, leitor, saberá de outros comportamentos que nem o praticante, se indagado, saberá explicar. Realmente deve ser complicado justificar:
– o despejo de objetos (camas, pneus, etc) dentro dos rios;
– atirar-se objetos pela janela dos veículos e das residências;
– a pixação de paredes e de monumentos;
– que alguém “force” terceiros a ouvirem músicas de gosto duvidoso, em alto som e nos horários mais impróprios.
Sobre forçar os outros (pelo volume dos rádios de seus veículos ou de suas casas de espetáculos) a ouvirem as suas canções preferidas, eu fiquei sabendo de um antídoto”.
O pessoal de um certo condomínio de um elegante bairro paulistano, incomodado com o som que vinha de uma casa noturna, alugou um trio elétrico que, durante toda a noite, executou música clássica na porta do estabelecimento. Foi um escândalo, mas o problema foi resolvido.
Um estudo de pós-graduação na USP indicou que as pessoas têm, no subconsciente, a certeza de que, fora do seu veículo ou da sua casa, está um outro “mundo”, diferente daquele em que elas vivem.
É notório que esse outro “mundo” não tem merecido o menor respeito.
E aí eu identifico a punição como o único caminho. Será?
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Se a Vida Imitasse a Arte...
Hoje acompanhei Arthur Rangel, meu sobrinho de nove anos de idade, ao ensaio da peça Alice no País das Maravilhas, no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, produzido e estrelado por ninguém menos que Luana Piovani. É a segunda peça profissional desse talento teatral precoce.
Cansativo como todo ensaio, a oportunidade serviu para eu matar saudades de uma breve incursão teatral na minha pré-adolescência. Fiquei impressionado com o empenho do diretor. Detalhes técnicos, como posicionamento no palco ou expressão facial de cada um dos catorze atores, em cada uma das cenas; ações isoladas aqui e ali para aprimorar o trabalho final.
Lembrei de um antigo ensinamento de que a autoria de um espetáculo é completada em cada montagem. Em cada encenação, por diretores e atores.
Era visível a dedicação e a humildade dos que estavam envolvidos no trabalho.
Na coxia, atores e gente de apoio integravam-se em trabalhos que iam desde encher garrafas com água mineral (adquirida em galões para economizar dinheiro da produção) até a compra da alimentação do elenco.
Na platéia, opinavam livremente, assistentes e atores que não estavam ensaiando no momento.
O diretor ouvia tudo, acatando ou não as observações, mas jamais inibindo intervenções e até subindo ao palco para demonstrar exatamente o
que queria que fosse feito.
Era intensa e sincera a dedicação dos atores no palco, repetindo cenas ininterruptamente, sem a menor expressão de desaprovação, tudo por uma grande estréia no dia primeiro de fevereiro.
Até lá, ensaios intensos todos os dias, inclusive fins-de-semana. Oito horas por dia.
Ah, se aqui fora as pessoas fizessem o seu trabalho diário com tamanha dedicação e humildade! O nosso País não teria problemas.
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Domingo à Noite
Semana.
Uma finda outra começa.
Eu aqui, sem pressa,
pra segunda chegar.
Dá uma certa agonia,
pelo que vem, mais um dia.
A preguiça a ameaçar.
É algo que ninguém explica.
Um sentimento sarcástico,
que a música do Fantástico
vem só pra anunciar.
Quem sabe, um amanhã melhor, ou pior?
Que besteira!
Também podem vir progressos.
Mas o que eu não evito,
e assim com muito dó,
é que daqui a pouco, na esteira,
será mais uma
segunda-feira.
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A Mesma Máscara em Diferentes Rostos
Vivo em um País com uma das maiores cargas tributárias do mundo.
Não é incomum a comparação do apetite das autoridades brasileiras para cobrar tributos como equivalente apetite de governantes de outros países.
Não se pode negar que há (poucas) sociedades mais tributadas que a nossa.
Mas angustia o resultado da comparação, com a nossa realidade, da quantidade/qualidade dos serviços que os outros governos oferecem aos seus governados, em troca do que recolhem em tributos.
Somos uma Sociedade que cobra muitos tributos de poucos, quando o ideal seria a cobrança de poucos tributos de muitos.
E as autoridades brasileiras não têm demonstrado disposição em mudar as coisas. Entra governo, sai governo. Mais à esquerda, mais à direita ou ao centro. E sempre uma marca comum: O apetite de tributar.
E não adianta esperar uma breve mudança do quadro. No poder, gente dita progressista” liberaliza posições e gente, digamos assim, “liberal” agrava a carga de impostos.
Afinal, já disse o inspirado observador das coisas da política: “O poder é como o violino: Toma-se com a esquerda, mas toca-se com a direita”.
E a coisa fica ainda mais grave se o “músico” for ambidestro.
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No Celular
No restaurante de comida natural, nada mais artificial. Toca o celular:
– Alô... Tá... Tá...
– Aceite o cheque dele pra ele parar de encher.
– Eu vou correr o risco, tudo bem.
– Tchau.
E o assunto deve estar encerrado na cabeça dele! Ou não!
E a irritante musiquinha do celular volta a tocar. Agora, depois de alguns grunhidos, o homem desliga.
Será que ele agora volta de corpo e alma, ou seja, integral, para o seu arroz com feijão?
No caso, o termo “integral” continua ligado à dedicação e não ao arroz. Estávamos, enfim, em um restaurante vegetariano.
O celular já foi sinal de status. Hoje, se o seu uso não for regrado pelo bom senso, o tal aparelhinho pode denunciar falta de educação.
Como tudo na vida, os bens de consumo chegam como novidade e, como tal, submetem uma legião de cativos que passa a ser massacrada com mais essa “necessidade”, que veio não sei de onde para integrar (ou estragar?) a vida da gente.
Não costumo implicar com as novidades. Até gosto delas. Apresentar-se como “moderninho”, afinal, pode ter lá o seu charme.
Mas, já passa da hora de as pessoas descobrirem que estão virando propriedade de coisas; possessão de aparências; consumistas de tudo, templos do nada.
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Chamem o Ladrão
Os jornais noticiam que um preso (com folha penal, guardadas as devidas proporções, comparável a um engarrafamento de uma grande cidade em dia
de chuva), de dentro da cadeia e sob pressão policial (em troca de garantia de sobrevivência na prisão), ordenou aos seus, digamos assim, gerenciados, que
soltassem duas irmãs, que eram mantidas em cativeiro há quase trinta dias.
Eu não consigo imaginar os termos desse “pacto” polícia x bandido. Mas, fico aqui a pensar, como um ser com tamanho histórico penal, preso, ainda decide a vida de duas pessoas aqui fora?
Também é complicada a compreensão da decisão de policiais de, em troca de algo, garantirem a integridade do preso, como se essa garantia não devesse vir naturalmente do Estado.
É sabido que a violência não é apenas problema das autoridades que cuidam de segurança. É claro que essa é uma preocupação de todos nós, porque, em verdade, cada um pode fazer um pouco pela solução: educando as crianças; não fugindo das
suas obrigações familiares; não consumindo drogas (e, assim, não sustentando o traficante); não comprando objetos quando o baixo preço e o tipo de “comerciante” denunciam tratar-se de produto de crime, etc.
Aliás, já pensaram no efeito de um pacto silencioso, pelo qual todas as pessoas, ditas “de bem” que, mesmo eventualmente, consomem drogas, deixassem de fumar o seu baseado ou de cheirar a sua carreira de cocaína?
Enfim, se o segmento social hoje “consumidor”, de repente deixasse de comprar drogas e/ou itens de menor grau de periculosidade, de procedência duvidosa?
Então, a demanda deixaria de existir e os “agentes econômicos” do crime perderiam o interesse pela aquisição da “matéria prima”, pelo desenvolvimento da “infraestrutura” da “industrialização”, da “distribuição” e da “comercialização” de seus “produtos finais”.
Teríamos, assim, aquela utopia cantada pelo Raul Seixas na música “No dia em que a Terra parou”, quando, por falta de efeito, as causas iam sendo deixadas de lado.
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Processo Contínuo
Sou inteiro aos pedaços.
Estou aterrado no espaço.
Livre por falta de algemas.
Sou a incoerência em vida.
Sou a inconsistência sentida.
E pra que tanta lógica,
de um caminho traçado,
de um tempo previsto,
de um amor desgastado?
Eu prefiro a surpresa,
irmã da beleza,
filha da sedução.
É que o previsto sufoca.
Um caminho sem volta que
empobrece os sentidos.
A vida desbota.
É que, para o bem de todos
e a felicidade geral deste mundão,
nada estará completo,
o progresso natural vem aos poucos,
aos tropeços, assim mesmo, à prestação.
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O Exemplo de Alicante
Segunda-Feira ao Sol. É o título de um filme espanhol premiado no Festival de Gramado, Rio Grande do Sul.
Trata de dramas de trabalhadores demitidos por um estaleiro local, sob os efeitos danosos de uma concorrência desleal vinda da Ásia.
É um trabalho denso, que coloca o espectador diante de uma realidade dura, que passa pelo aviltamento da condição humana ambientado na miséria, na bebida e até na espera chorosa de uma criança pela mãe, em um carrinho providencialmente deixado no corredor, enquanto esta se prostituía no quarto em frente.
Há, naturalmente, um certo humor negro. Algo que seria até cômico, se o enredo não fosse triste.
Pessoas acabam lançando mão de expedientes, até mesmo toscos, na busca da sobrevivência em um ambiente hostil, em que a crueldade tem um significado: A concorrência predatória de gente que, aproveitando “brechas” legais na sonegação de tributos e de direitos sociais, age especialmente para acabar com empresas concorrentes e, depois, dominar o mercado, ditando as regras, especialmente de
preços, sempre em prejuízo dos consumidores.
E esse fenômeno também está presente aqui no Brasil. Para esse mal alguns remédios: criatividade, governos sensíveis, responsabilidade social, teimosia
consciente, enfim.
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Pobres Meninos
A triste condição social do nosso povo praticamente direcionou o sentimento coletivo de dó daquelas crianças que, abandonadas pela inconseqüência de
quem os fez e pela insensibilidade de toda a Sociedade, nos abordam diariamente nos sinais de trânsito.
Mesmo quando nos assaltam, normalmente elas são esquálidas, de pés no chão, maltrapilhas, sem endereço, de olhar triste, como se, em uma acusação silenciosa, defi nissem a nossa parcela de responsabilidade por toda essa miséria humana que
nos cerca, fazendo-nos sentir culpados pelo simples fato de termos o que comer e o que vestir.
Mas, nos últimos dias, a imprensa nos tem constrangido (isso é inevitável nesse trabalho, que apenas mostra a realidade) com notícias reiteradas sobre dois meninos, mal saídos da infância. Um vive ali no Campo Belo, em São Paulo, capital e o outro
em Goiânia, Goiás.
Bonitos, bem cuidados, tudo indica que eles foram criados com amor e carinho, em famílias de bom poder aquisitivo, por pais presumivelmente amorosos e conscientes do que deviam fazer para que eles tivessem todas as perspectivas de um futuro
brilhante.
Há cerca de quinze dias era essa a realidade desses dois adolescentes. Até que o de São Paulo foi levado pela sua irmã para um cybercafé. A seguir, ela mesma, a irmã, o namorado desta e o irmão do namorado, estúpida e covardemente mataram os pais da primeira, que estavam dormindo.
Já a outra vítima de Goiânia, dias após a morte do homem que tinha como pai biológico, ficou sabendo que não é filho biológico do casal que o criou. A ignorância do garoto tinha origem conhecida: os crimes daquela que tinha como mãe.
Isso não é nada, dirão aqueles que ficarem na primeira análise. Mas, o Pobre Menino – Versão II também ficou sabendo que fora seqüestrado da maternidade no primeiro dia após o seu nascimento e, o que é pior, que a autora do seqüestro fora aquela
que dizia ser sua mãe.
Em São Paulo houve mais que dois assassinatos. É que o Pobre Menino I teve brutalmente mortos o pai e a mãe.
A desmiolada da irmã, agora na condição de presidiária, poderá inspirar-lhe qualquer outro sentimento, menos o de uma irmã, no verdadeiro sentido da palavra.
O de Goiânia, pelo menos, ganhou de volta os pais biológicos que lhe haviam sido tomados.
Ambos, desgraçadamente, perderam a inocência.
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Compra e Venda
A consciência não impede a ninguém de cometer
um pecado.
Impede, apenas, de gozá-lo em paz.
Autor Desconhecido
Compro emoção, coração, intenção, amor sem paixão.
Vendo depressão, ilusão, aversão, sem perdão
É que eu estou no mercado de gente.
Eu já sou indiferente ao temor mudo,
ao clamor surdo.
Eu não preciso,
mas pago por tudo.
Compro o que quero.
Sei, é insincero, e daí ?
É, do que sobrou, nada mais espero,
Nada no porvir.
Porque o que me resta, na certa,
São portas abertas,
mas pra sair.
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Confeitaria Colombo
Manias. O poeta já escreveu que a gente as tem e não sabe por quê.
Há quase 25 anos na condição de “extraditado” da cidade do Rio de Janeiro e exilado na querida São Paulo, em algum dia entre dezembro e janeiro eu saio pelo centro do Rio, sozinho, a andar sem rumo.
Compro uma besteira aqui. Entro em um ambiente ali, certamente em uma inconsciente busca de um tempo vivido nessa cidade tão bonita e tão maltratada pela sua própria gente, a começar pelo que emerge das urnas.
Justiça seja feita, há pontos históricos muito bem cuidados e tristemente ignorados por boa parte da população do Rio, às vezes desinformada sobre significados, história, bem como que uma simples visita representa enriquecimento cultural a custo zero ou perto disso.
Hoje fui ao Paço da Cidade, na Praça XV de Novembro. Esse prédio serviu de habitação para a Família Real Portuguesa, quando esta se transferiu para o Brasil fugindo de Napoleão.
No paço, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea que acabou com a escravidão, algo que a minha mãe (cujos avós tiveram escravos) me apresentou como a maior chaga da história do Brasil.
Ultrapassada a desrespeitosa instalação do então Departamento de Correios e Telégrafos, o local foi revitalizado como um centro cultural, com o resgate de sua ambientação histórica, instalação de livrarias, de pequena sala de cinema, de exposições de artes.
Lamenta-se o mal sem remédio da construção (por uma Universidade, vejam!) de um “espigão” no espaço existente no meio de um outro prédio histórico, em forma de “U”, integrante do conjunto em que residiu Dona Maria, a “Louca”. De qualquer
forma, pelo menos foi recuperada uma “jóia histórica” no centro da cidade.
Caramba... Tudo isso pra dizer que, na tal livraria eu folheei um trabalho sobre a Confeitaria Colombo, inaugurada em 1894 e que continua funcionando na Rua Gonçalves Dias no 32/36.
Então, passou um ”filme” pela minha cabeça.
Lá pelos anos sessenta, algumas vezes eu lanchei na Colombo com o meu pai e com meus irmãos.
Eram tempos complicados e, apesar do dinheiro curto, de vez e quando o meu pai nos dava o
prazer de lanchar naquele belo lugar, quando ia ao centro da cidade comprar aviamentos para o seu trabalho de alfaiate.
Na volta, era certa a briga com a minha mãe que, mais “pé no chão”, se preocupava com os “efeitos orçamentários” daquele excesso na nossa frágil economia doméstica, até porque, o Seu Cleto ainda completava a peraltice comprando alguns discos de 78 rotações para a sua vitrola.
Conclusão: Hoje lanchei na Colombo mais pelo “apetite” da saudade do que o do estômago.
Ao lado, em uma sacola, um “vinil” de 78 rotações, (que talvez jamais ouvirei, pelo menos antes de realizar a planejada compra de um prosaico gramofone), tudo compôs aquele acidental mosaico de emoções.
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Jogo de Empurra-Empurra
Recentemente uma emissária da ONU, indiana, vinda de um país em que as pessoas são divididas em castas, com direitos e, especialmente, com obrigações diferenciadas, esteve no Brasil ouvindo pessoas que foram vitimados pela violência da polícia ou de grupos de extermínios.
Dois desses sobreviventes foram assasinados dias depois de serem entrevistados pela tal emissária.
Quando se avistou com o presidente do Brasil, a representante da ONU sugeriu que o nosso Poder Judiciário fosse avaliado por um organismo internacional, visando a diminuição desses absurdos.
E, na linha do estica e puxa entre o chefe do Poder Executivo e o Chefe do Poder Judiciário, o primeiro expressou concordância com a bizarra sugestão, certamente para acirrar a picuinha com o outro.
No dia seguinte, um dos Ministros do governo ainda colocou mais lenha na fogueira ao atribuir exclusivamente à Justiça a responsabilidade pela criminalidade que atinge a todos.
Pois bem, é necessário que os ocupantes de cargos públicos (seja do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário) passem a meditar um pouco mais sobre o que falam ao povo, até porque a desmoralização só beneficia os golpistas de plantão, sempre dispostos a investir no “quanto pior melhor”.
Ora, Senhores Presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal e das duas casas legislativas federais, façam-nos o favor de parar com esse bateboca inconseqüente e admitir que, quando o cidadão mofa quatro, cinco horas em uma Delegacia de Polícia simplesmente para fazer um registro de uma ocorrência que, sequer, deveria ter acontecido, não terá sido por culpa da Justiça.
Por outro lado, o Poder Judiciário não pode ser responsabilizado; a não ser quando leva ao infinito
discussões estéreis ou quando deixa os processos dormindo nas prateleiras, por anos, sem que nada aconteça.
Também, se leis anacrônicas continuam vigentes, enquanto os membros das duas casas legislativas preservam uma certa alergia ao trabalho, não se poderá responsabilizar os dois outros Poderes.
Enfim, excelências, organizem-se, trabalhem e parem de jogar o conhecido jogo de empurra-empurra, evitando que a população, também portadora de certa dose de culpa, permaneça entregue à sua sorte e nas mãos dos inescrupulosos, esses sempre muito bem organizados.
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A Religião e a Paixão Humana
Religião é definida(*) como crença na existência
em uma força ou em forças sobrenaturais,
considerada(s) como criadora(s) do Universo e que,
como tal deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s).
Pelo menos aos olhos de alguém que apenas
observa, mesmo que pela lente da compreensão, nenhuma
das religiões pode “atirar a primeira pedra”. Nenhuma delas pode garantir que todos os seus
seguidores renunciaram ao caminho do fanatismo,
vacinados contra a miopia da paixão.
O milagre da vida ignora religiões e exageros. O
oxigênio, o maior canal de ligação entre o vivente
e o ambiente que o cerca, continua invadindo
pulmões, vivificando células e, assim, renovando
continuamente a existência, apesar e acima de todas
as doutrinas, rituais e regramentos.
E milagres muitas vezes são atribuídos àquele que
muitos olham como a um velho rabugento, cheio de
manias e de poder, que vive a mandar raios, trovões
e castigos àqueles que o desobedecem e a premiar
os disciplinados.
Tudo isso é muito esquisito aos olhos de alguém
que não se contenta em atribuir as suas inquietudes
aos “mistérios da fé”.
Ouso abstrair conotação religiosa para, à minha
moda, falar de Deus, sabendo que, para muitos,
isso é mesmo impossível. É que eu não consigo
pensar o criador com as mesmas características,
especialmente os defeitos, fraquezas e paixões do
tal do ser humano.
Mas, a recíproca não é verdadeira. Até aos olhos
mais desconfiados, são notórios sinais superiores
na espécie humana e em tudo que a cerca. Então
por que tanta coisa errada aqui no nosso planeta
Terra?
Por que tanto se mata em nome de Deus?
Nada tenho contra as religiões. Elas realmente
são úteis. Mas, não estaria na hora de o acessório
deixar de ser encarado como principal?
Essa pergunta andou me incomodando por
muito tempo. Mas, aí veio o socorro de amigos
que já não estão por aqui.
É que o tal do ser humano está em contínua
construção (não seria demolição, tal a bagunça
que anda acontecendo aqui no nosso pedaço?) e a “edificação” é assim mesmo cheia de contratempos
e de acidentes de percurso.
É desse processo de edificação que acaba vindo a
maturação que fornece a sensibilidade, a paciência
para o aprendizado, a coragem para a ruptura e a sabedoria
para se identifi car uma situação da outra.
Isso poderá nos consolar diante das besteiras que
a nossa raça humana vem praticando, ainda que
movida por um “combustível” perfeito, ou seja, o
Divino.
* Novo Dicionário Aurélio
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Terapia ao Terapêuta
O caminho do centro
é menos arriscado.
É só ir em frente,
não olhar pros lados.
Quando eu era criança,
minha mãe dividia
alimentos e dramas
e eu nem sabia.
Hoje, depois de tudo,
nada sei, continuo,
não falo, mas não sou mudo,
nada é claro, nada é tudo.
E lá vamos, todos,
remexendo lá de dentro
do nossos porões, os nossos lodos,
passando pros outros
algo falso, meio invento.
É fato bem sério,
coisa de maluco,
dito bem alto, em estéreo,
ouvido com espanto,
que todo mistério
tem seu lado de encanto.
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Morto-Vivo ou Vivo-Morto?
Após o expediente, quatro pessoas ainda trabalhavam.
De repente ouço o choro (fingido,
depois descobri) do Paulo Rogério de Oliveira,
meu querido irmão, amigo e sócio.
Como ele estava em outra sala, cheguei a ficar
assustado, imaginando que ele tivesse recebido, por
telefone, alguma notícia grave.
Mas ele chegou rindo, trazendo nas mãos uma
carta, endereçada à sua Família, na qual a Ordem
dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, comunicava
que o Conselho Seccional deliberara consignar,
em ata de seus trabalhos de 25 de fevereiro de 2002,
voto de profundo pesar pelo falecimento dele mesmo,
o advogado Paulo Rogério de Oliveira.
A sensação foi meio esquisita. Estávamos diante
de um morto-vivo ou de um vivo-morto? Então a
resposta foi inevitável:
“São Paulo, 07 de março de 2002
Ao Conselho Seccional de São Paulo
Ordem dos Advogados do Brasil
At. Sr. Presidente Carlos Miguel Aidar
Ref.: Eu Estou Vivo!!!!!
Senhor Presidente
Sensibilizado, hoje recebi uma carta endereçada à minha Família, comunicando que esse Conselho
Seccional deliberou, à unanimidade, consignar, em
ata de seus trabalhos, voto de profundo pesar pelo
MEU FALECIMENTO.
A homenagem é bela, mas imerecida, uma vez
que, conforme atestam meus colegas, também
advogados, EU ESTOU VIVO.
Peço o cancelamento de eventuais anotações
decorrentes do pretenso óbito, na expectativa de
que, pelo menos, no Século atual, eu não justifique
tamanha honraria.
Atenciosamente
Paulo Rogério de Oliveira
OAB/SP 105.754”
Ao final, dois outros profissionais atestaram
que presenciaram a assinatura do texto pelo remetente,
vivo.
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Inocência
Eu gosto da madrugada. O silêncio, o amor, a
leitura, a escrita e, até mesmo, o sono, tudo parece
mais inspirado.
Fico com a impressão de que, durante a noite, o
mundo resgata a inocência perdida durante o dia.
Os médicos vivem dizendo que, antes da meia
noite, o sono vale o dobro, em comparação com o
sono após essa hora.
Eu até acredito nisso. Mas, como já disse o Jô
Soares, três da madrugada por aqui não equivaleria a
21:00 horas em qualquer outro lugar do universo?
E se a natureza, por assim dizer, “acertou” o meu
relógio biológico com o horário vigente num desses
lugares distantes?
Afinal, o problema não está na madrugada. Está
na obrigação social de levantar cedo no dia seguinte, destruído de sono.
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O Saber Dividir as Coisas
Sempre ouvi dizer da importância de se saber
dividir bem as coisas. Problemas pessoais só serão
tratados em casa e questões profissionais apenas do
ambiente de trabalho.
Se houvesse um concurso de máximas inúteis,
com certeza essa seria muito bem colocada.
É que em casa, no trabalho, no jogo de cartas,
no clube, no trânsito, na praia, ufa... na vida, o
ser humano é único. Com seus ganhos e perdas;
defeitos e qualidades; lágrimas e risos.
Não consigo imaginar a arrogante autoridade,
após o término do expediente, repentinamente
transformada em um pai ou em uma mãe carinhosa. Afinal, ninguém dá o que não tem.
Se o homem quer sinceramente mudar o seu
comportamento, que o faça em uma sincera e ampla
reforma íntima.
E só haverá reforma se for completa. Se incompleta,
não será reforma. Será uma retocada na
imagem.
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Confusões de um Apagão
Domingo de julho de 2001. De férias e “escalado”
pela sogra, lá estava eu, com o meu filho
Vinícius, no Barra Shopping, Rio de Janeiro, local
em que a concessionária de energia elétrica instalara
um quiosque para receber pedidos de revisão das
metas de consumo.
Segundo as regras, aqueles consumidores que não
questionassem a meta de consumo antes estipulada
pela empresa, poderiam ter agravado o valor de sua
conta de luz e, até mesmo, interrompido o fornecimento
de energia elétrica.
E muitas pessoas tinham argumentos para questionar
a tal meta. Era o caso que a sogra pensava
ser o seu.
Cheguei cerca de duas horas antes de começar o
atendimento. Não havia ninguém no tal quiosque
improvisado. Mas, em frente, já se formava uma
considerável fila, caótica, como sempre.
Eram mais de cinqüenta pessoas, cada uma com
a sua história, alguns com formulário e outros sem
ele. Mas todos na frenética busca daquele “passaporte”
que daria direito a uma análise do seu caso pela
concessionária quanto à meta pré-estabelecida.
Como o local do atendimento fi cava em uma
miniatura de “anfiteatro”, com o ponto de atendimento
na parte mais baixa, as pessoas se espalhavam
por ali mesmo, sentadas nos degraus, nos bancos,
umas guardando lugar para outras, enfim, aquela
babel que marca as filas.
No grupo, um senhor já começou a falar de
temas religiosos, entendendo que aqueles problemas
já eram sinais dos tempos, em que o homem
começaria a experimentar os resultados de suas
ofensas a Deus.
Algumas professoras, donas de casa, aposentados,
profi ssionais liberais também compunham
aquela “tribo” de desesperados, empurrados para
aquela situação mais pela incúria dos governantes
do que pelo mau humor do Criador.
A coisa começou a se complicar quando lá estavam
uns cem consumidores. Então, uma das professoras
teve a idéia de improvisar senhas, escrevendo
números seguidos para distribuí-los às pessoas, evitando, assim, os confrontos que já aconteciam
entre os que chegavam e os que lá estavam.
Prontifiquei-me a ajudar, distribuindo as tais
senhas que as professoras confeccionavam.
No início até que a idéia foi bem aceita, porque
os que já estavam no local já haviam adquirido certa “familiaridade”, uns com os outros.
Mas, aqueles que iam chegando depois (o número
das senhas já se aproximava de cento e cinqüenta),
informados pelos demais da necessidade
da retirada do tal “bilhete”, já chegavam meio mal
humorados:
– Você, pode me dar a senha? Mas que bagunça,
ao invés de começarem o atendimento logo,
inventam esse negócio de senha.
Ponderei que não trabalhava na concessionária.
Só estava ali ajudando.
– Ora, se não trabalha lá, tá aí só inventando
moda! Eu não vou é respeitar senha nenhuma!
Aí a coisa começou a complicar porque a fila
original (mesmo caótica) já não existia mais em
razão das tais senhas.
E o bate-boca continuou até que os insatisfeitos
concordaram em pegar a senha, mas com indisfarçável
má vontade.
Eu já estava preocupado. Numa enrascada apenas
porque tentei ajudar...
Felizmente vi primeiro quando o pessoal da
concessionária chegou, pouco antes da hora marcada
para o início do atendimento. Fui até eles
e expliquei que, para organizar melhor a espera,
havia participado do mutirão das professoras e que
o único jeito dessa atitude não gerar mais confusão
seria que a ordem das senhas fosse respeitada.
Felizmente, os meus argumentos foram aceitos e,
quando a minha senha sessenta e dois foi chamada,
suspirei aliviado. Fui embora sem olhar pra trás.
A minha sogra não teve revista a sua média, mas
eu me livrei de uma boa encrenca.
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Alô Alô
– Alô, quer falar com quem?
– Preciso falar com o Dr. Eduardo.
– Quem deseja?
– É um cliente dele, João Gualberto. Mas, senhorita,
eu não estou desejando, aliás, pela minha
condição de heterosexual, nada me leva a crer que
eu venha a desejar o advogado.
– Hetero o que? Eu acho que o cara é um gay... (cochicha a atendente com a colega ao lado, tendo
o cuidado de colocar a mão no bocal do telefone).
– Mas ...
– Senhor, eu preciso saber o seu nome e de que
assunto que o senhor quer tratar e o número da pasta.
Só assim eu vou poder “tá anunciando”, bem!
– Mas, eu não quero que a senhora anuncie nada.
Aliás, eu liguei para um escritório de advocacia ou
para uma agência de propaganda?
– Aqui é de um escritório de advocacia, mas,
quem deseja falar, por favor?
– Eu já disse. É João, João Gualberto.
– Olha, bem, é que ele não está, deu uma saidinha
e volta logo. Depois o senhor liga de novo.
Se o senhor quiser, deixe o telefone que ele vai “tá
ligando”.
– Eu não ligo nada. Eu não deixo nada. A Senhora é uma louca. Primeiro pergunta se eu estou
desejando o Dr. Eduardo. Depois, faz um interrogatório
danado para saber qual o assunto que eu
vou tratar, o número da pasta, que vai me anunciar,
o tipo sangüíneo, o time que eu torço, o diabo. E
ainda me chama de bem, sem me conhecer.
– Depois de tudo isso a senhora tem a coragem
de dizer que o Dr. Eduardo não está?
– A senhora pode dizer a ele que esse seu atendimento
me encheu e, se ele quiser ligar para mim,
que procure o meu telefone lá da Fazenda.
– Ah! Que eu vou pensar quando vou depositar
aquela grana de honorários na conta dele. Tchau!
– Tchau.
– Mas que homem maluco. Eu o atendi com
tanta gentileza, o chamei de bem; perguntei quem
gostaria e disse pra ele que, quando o doutor chegar,
ele vai “tá ligando”, tudo assim mesmo, do jeito
que as pessoas chiques falam. Mesmo assim o cara
se “estressou”! Como anda o mundo!
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Desqualificando a Morte
A morte continua sendo a mera negação da
vida, o vazio que não merece por si mesmo
nenhuma consideração.
Darci Ribeiro
O velho Darci tinha uma certa ansiedade quando
traduzia em palavras as suas sábias angústias.
O seu palavreado acelerado não lhe tirou a
capacidade de se indignar com o que de iníquo se
passava à sua volta.
A sua clareza jamais lhe distanciou da dúvida,
por ele identificada como a fonte na qual supria
todo o seu pensamento.
Com invejável coragem encarou um câncer por
longos anos. A doença levou-lhe um pulmão e o
velho Darci ainda ameaçava os médicos se estes
insistissem em deixá-lo internado: “Eu me mato”,
dizia ele, “se vocês me encarcerarem no hospital”.
Já nos últimos tempos da sua rica vida, o homem
reuniu em torno de si, no seu aniversário, todas
as mulheres que amou, para uma comemoração
especial em que celebrava a vida, mesmo já se despedindo
dela, alquebrado pela doença.
Mesmo confessando uma soma de fracassos
de suas ações (muitas vezes causados pelas suas
companhias políticas), o velho Darci demonstrou
irritante superioridade ante aqueles que impediram
a realização dos seus sonhos.
À morte não lhe endereçava, sequer, uma reflexão.
Ele a desqualificava com o mesmo vigor com
que cortejava a utopia.
Afinal, o talento de Darci não permitia que
ele gastasse energia com certezas limitantes, com
sonhos irrealizados ou com a morte, para muitos o
fim de tudo, quando todo o Universo diariamente
nos dá mostras de ser a vida uma maravilhosa obra
inacabada.
A vida de Darcy nos desafia, em criatividade e em
coragem, para não passarmos por aqui em branco.
Exatamente como ele fez.
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Sonho
Na trilha do sonho,
os planos se alinham,
as luzes mais brilham,
as mentes auxiliam
em esforços tamanhos.
O poeta já disse:
“Vida é fazer todo sonho brilhar”.
E não há quem despiste
a direção do real,
por amor ao concreto,
é necessário sonhar
porque o sonho resiste
para nos preparar,
pro bem e pro mal,
pro errado e pro certo,
é necessário sonhar,
dormindo ou acordado,
se o objetivo é eleito
e a meta traçada,
é só trabalhar,
A vitória planejada
não é menos valiosa,
pois querer é um direito
à vida conquistada,
defi nindo conceitos,
em pista pavimentada.
A alma preparar,
pra vitória que virá
e virá aos pouquinhos.
Porque a vida é assim:
Caminhos e descaminhos
ou se alegra no percurso,
não deixando pro final.
Felicidade aos poucos,
em doses pequenas
ou se guarda diariamente
emoções pra depois,
no fim, quem sabe,
sem tempo pra nada,
frustração na certa,
de portas abertas,
vida esvaziada.
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Como Dói!
Outubro de 2002. Uma das poucas sextas-feiras
em que consigo cumprir o compromisso comigo
mesmo de me proporcionar um dia menos pesado,
com trabalho diferenciado, às vezes em casa, sem
gravata, eventualmente cuidando da saúde e do
convívio familiar.
Nesse dia, por volta das três da tarde, fui tomar
um café ali na Padaria Iracema. Na esquina das Ruas
Nova Iorque e Guararapes, Brookllin, São Paulo.
Para lá tenho sido atraído por um pãozinho integral,
em forma de pão francês, que é uma delícia
e faz com que eu alimente a minha gula e o meu
peso em alguns quilinhos a mais.
Um menino magrinho e falante pergunta se eu
quero engraxar os sapatos. Concordei e ele convocou
aos berros mais dois meninos maiores que ele. Ambos
vieram com as suas caixas de engraxate nas costas.
“Escalado” pelo menor, rapidamente um deles
começou a tarefa enquanto eu comia o meu pãozinho
com café.
Passei a brincar com eles, perguntando sobre o
funcionamento daquela “equipe”. Queria saber se
o menor era o “corretor” os outros os encarregados
das “tarefas operacionais”, etc. O menor explicou
que a “arrecadação” era dividida igualmente entre
eles. Que eram primos.
Insisti em perguntar porque a divisão era igual
se os dois é que gastavam o material, enquanto o
menor só gastava a voz para atrair a clientela. A coisa
ia na brincadeira, até que foi ao chão uma banda
do meu pão (com a manteiga pra baixo, como
determina a chamada “Lei de Murphy”).
E a brincadeira acabou no olhar fixo que o menino
que engraxava os meus sapatos lançou para o
pedaço de pão caindo. Agora muito mais próximo
dos seus olhos (e da sua boca) que dos meus.
Então fiz a pergunta, já prevendo o que viria:
Vocês almoçaram?
A resposta negativa fez doer os meus ouvidos.
Entendi na hora a magia que aquela banda de pão
produzira naquele par de olhinhos famintos.
O trabalho acabou. Eles levaram alguns alimentos
pra casa. Eu só levei a dor da inquietude e aquele
trecho da música do Caetano:
“Gente é pra ser feliz. Não pra morrer de fome”.
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Pobre sobre Pobre
Tanto já se falou e tanto se falará de injustiça
social no Brasil.
Realmente, somos um país injusto, em que as
pessoas já são geradas em condições desiguais.
A desigualdade se acentua no nascimento, quando
são incomparáveis as condições das maternidades
públicas com as particulares; do ambulatório; da
escola infantil; do ciclo básico; da universidade (a
pública para os mais abastados e as particulares para
os mais humildes); da vida, enfim...
Tudo isso produz um injusto sentimento de
culpa, até mesmo para aqueles que conseguiram
razoáveis condições de competição pela sobrevivência
largando das últimas colocações no “Grande
Prêmio da Vida”.
O que mais me chama a atenção no momento
atual do Brasil são pessoas de origem humilde, especialmente
no Serviço Público ou em atividades
de concessão pública, que, esquecendo suas origens,
aviltam ainda mais a condição humana daqueles
desafortunados tomadores dos (des)serviços que
prestam em suas repartições.
Assim, motoristas de ônibus não param seus
veículos para estudantes. Funcionários públicos de
baixos escalões oprimem humildes. Pessoas vestidas
de forma simples zombam de outras vestidas com
roupas ainda mais simples. Portadores de reluzentes
dentaduras tiram sarro de desdentados. Motoristas
de velhas Brasílias passam sobre poças d’água
especialmente para molhar seus pares à espera do ônibus do ponto. Esse mesmo ônibus conduzido
pelo motorista que, alguns pontos antes, fingiu não
ver uma velhinha que acenava, pedindo parada.
Ufa, é um maldito ciclo vicioso, que apenas
indica como boa parte da desigualdade que avilta
boa parcela dos brasileiros é patrocinada por pessoas
que integram essa mesma turma.
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Dilemas em Reformas
Com todos os problemas políticos atuais, estamos
esquecendo de que “dormem” no Congresso
Nacional importantes reformas do país. A Previdenciária
e a Tributária, especialmente.
No há como negar a importância desses temas,
porque a escolha de um caminho para o País passará
necessariamente pela revisão dos conceitos econômico
e social, além de, naturalmente, de uma lavagem
na alma do País.
No mundo todo, reformam-se previdências
oficiais, pois as pessoas vivem mais e os novos tempos
revelam, de forma crescente, meios e modos
de se trabalhar sem ser por intermédio de vínculo
empregatício.
Então, em paradoxo cruel, os caixas previdenciários
passam a arrecadar menos e a pagar mais.
Aqui no Brasil o problema se avoluma porque,
durante muito tempo, foram malversados os recursos
da Previdência Social, nas muitas vezes em que
Governos supriram os seus “buracos de caixa” à custa
do cofre previdenciário. Isso sem contar as fraudes e
aquelas aposentadorias de valores despropositados, que fazem inveja a ocupantes de altos escalões de
grandes bancos.
Mesmo assim, para acomodar sua forças políticas
de sustentação, o Governo andou cedendo, contentando-
se com “remendos” que apenas adiaram
o problema do nosso caixa previdenciário.
Já a Reforma Tributária, não saiu das primeiras
rodadas, devido aos muitos os interesses em
jogo entre a União, os Estados e os Municípios
(também o Distrito Federal). Todos disputando
a maior fatia possível de um bolo minguante em
razão do esgotamento financeiro de uma Sociedade,
que vê desaparecer, em tributos, cerca de
40% (dizem os economistas) de todas as riquezas
que produz, o PIB.
Tudo indica que mais uma vez o patrocinador,
o pagador dos ingressos, ops, de tributos – o contribuinte – não será ouvido.
Espera-se que os Senhores Congressistas não
se esqueçam da fábula da Galinha dos Ovos de
Ouro. O “bicho” anda com a saúde abalada e
pode morrer. Então, nada mais haveria para ser
partilhado.
Já há alguns anos essas reformas são imprescindíveis. Mas, o segmento social antes na oposição,
talvez por não acreditar que logo viraria “governo”,
resistiu bravamente às reformas encaminhadas
pelos então ocupantes do Poder Executivo. Argumentavam
que havia alternativas ao “corte na
carne”.
De certa forma, a resistência às mudanças serviu
de importante degrau para a conquista do poder.
Nenhuma impropriedade nessa estratégia, em pleno
jogo democrático.
Também não são inocentes aqueles que, antes,
eram governo e deveriam ter investido nas reformas
as energias que despenderam em tantos outros assuntos
de menor interesse para o País.
Na administração pública há, efetivamente, “massas
adiposas” sujeitas ao golpe da “faca oficial”.
É cada vez mais estreito o espaço para opositores
míopes e para governantes que confiam na
possibilidade de decidir o “jogo” durante o tempo
de acréscimo.
A Sociedade continuará torcendo na “arquibancada”.
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O Mal e o Bem no mesmo Homem
Cada vez que a miséria humana se manifesta sob
a forma de um crime bárbaro, quando há conotação
sexual, logo aparecem os “donos da verdade”
emitindo julgamentos; até pedindo justiçamento
ou aplicação de pena equivalente à barbárie cometida. Na base do “olho por olho, dente por dente”,
passando por lições de comportamento.
Será que pelo menos um autor das barbaridades
mais recentes não foi um daqueles revoltados com
um dos crimes que antecedeu ao seu?
Não estou pedindo clemência pra quem quer
que seja.
Mas, não terá chegado a hora de o ser humano “por as suas barbas de molho”, julgando as atitudes
alheias com ponderação, simplesmente pela
possibilidade de cometer, no futuro, um erro de
gravidade semelhante àquela que tanto criticou em
passado recente?
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A Indesejável Divisão
Reunião de pais em escola para tratar daquelas
adaptações próprias do começo do segundo grau.
Exposições daqui, tira-dúvidas dali e as inevitáveis
perguntas daqueles que preferem tratar o “varejo” do caso específico do seu filho, antes que
se conclua o “atacado” das propostas didáticas da
escola.
Até que o palestrante resolveu falar de um tal “fumódromo”. Um local escolhido pela escola para
que funcionários e alunos, estes autorizados pelos
pais, fumassem ali, deixando de fazê-lo escondidinho
no banheiro.
Cumprida essa condição, o aluno fumaria livremente
naquele “território livre”. Aos que não portassem
o “passaporte para a baforada”, o prazer (?) ficaria
vedado.
Foi o que bastou para que alguns pais ficassem
indignados. Um, até mesmo com ironia, chegou
a perguntar se, no tal “fumódromo”, se poderia
também consumir drogas ditas ilegais.
Enfim, ficaram esquecidos todos os demais assuntos
porque alguns não se conformavam com a
impropriedade de, em um ambiente escolar, em que
se deveria demonstrar os males do fumo, admitir-se
o íntimo convívio com ele.
Não fui visto com simpatia quando concordei
com a proposta, vista por mim como realista. Minha
mulher e eu ressalvamos a nossa condição de não
fumantes. Aliás, confessamos diante de uma platéia
silenciosa, jamais havermos consumido qualquer
tipo de droga. Algo meio insólito para quem já participou
de muitos shows de rock e de reggae.
A reunião ficou por ali mesmo e alguns saíram
resmungando. Eu levei o assunto comigo. Afinal,
qual seria o problema de pais e escola partilharem
a educação desses jovens?
Só pode ser a difi culdade que alguns têm de
olhar de frente as suas responsabilidades. Não parece
difícil que se entenda que não seriam aceitas
baforadas foras da regra.
Mas, acho que se prefere a omissão diante do vício
do fumo dos adolescentes ao seu enfrentamento,
com o firme argumento de que não se deve incentivar
o que não se acha correto, mas se deve olhar essa
impropriedade de forma verdadeira. Assim, o jovem
convive com mais esse obstáculo na preparação para
a vida adulta.
Mas, isso dá muito trabalho e por isso não se
falou mais no assunto.
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Quando
Depois de nascer,
crescer,
comungar,
amar,
casar,
procriar,
criar,
acreditar.
Melhor a vida num pingo d’água,
se viva e rica,
que num oceano,
se pobre e omisssa.
Que seja dado a entender,
que o nascer é pra viver e viver,
não viver pra morrer.
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Profundo
Sentimento profundo,
algo meio ambíguo,
algo muito querido,
sem paralelo no mundo.
Quando as ondas crescem,
estreitando a praia,
nem sempre trazem a destruição,
mas sinais que merecem cuidado, calma, atenção.
Neste território, tal como no da arrogância,
a lição não é desejada, mas permitida, então.
À você que tanto me deu,
pelo pouco que retribuí,
não posso endereçar, de mim,
sentimento indiferente,
só o próprio de um Amor sem fim.
Mas é certo, não devo aceitar de bom grado,
em nome dos novos tempos,
tempestades e tempestades,
seja qual for o argumento.
Além do empenho, virá o trabalho, diário,
para o nosso crescimento.
ARA ANA CAROLINA
SÃO PAULO, 25 DE JANEIRO DE 2000
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Matando o Tempo
O Fórum é um dos locais em que o cidadão
mais facilmente constata a deficiência da atuação
do Estado brasileiro.
O que deveria ser, de certa forma, uma “fonte
de cidadania” em que as pessoas pudessem resolver,
rápida, civilizada e eficientemente os seus conflitos,
virou mais uma ferramenta de humilhação.
Alguns dizem que aqueles acima da linha de
pobreza são poupados desse caos, já que não dependem
da chamada “justiça gratuita” e, assim, podem
contratar advogados, pagar custas, presumindo-se
que teriam a contrapartida de um serviço mais
eficiente.
Equívoco. A administração da Justiça é uma das
mais efetivas formas de opressão neste nosso país
injusto.
Pela dimensão do Estado de São Paulo, o monstro
fica ainda maior. Segundo recente levantamento
publicado pela imprensa, a Justiça paulista (que
apenas “engatinha” em tecnologia de informática)
só não é mais lenta do que a do estado do Acre.
Quase nada funciona em tempo razoável. Faltam
meios materiais e pessoal motivado.
Virão os de sempre alegar que os funcionários
são pouco e mal remunerados. Não é de se debater,
aqui, essas questões, mas, sem dúvida, esses
trabalhadores estatais têm remuneração superior à da média da população, não sendo obrigados
a conviver com o fantasma do desemprego. Pelo
menos isso deveria motivá-los.
Chama a atenção a apatia, a falta de vontade, o
mau humor que, com honrosas exceções, a gente
encontra nos serviços públicos e, no caso, na Justiça.
Tem hora que fico com a impressão de que alguns
odeiam qualquer usuário, seja ele advogado ou
não, pelo simples fato de lhes importunar com a
simples presença.
Então, retido por 30, 60 minutos aguardando
atendimento, abre-se a oportunidade de certos
convívios nunca imaginados.
No Fórum de Santo Amaro, São Paulo, eu proseava
com um senhor, aposentado, jeito humilde, mas
conversador, com quem “dividia” uma dessas repugnantes
fi las. Essa verdadeira instituição nacional.
Falávamos sobre amenidades e, especialmente,
sobre aquele longo tempo perdido na espera. Chegou sua vez e ele se apressou em autorizar ao
funcionário do balcão que me atendesse na sua
frente. Ponderei que não seria o caso. A vez era dele
e eu aguardaria a minha.
Mas ele insistiu, dizendo que não gostaria de
encerrar aquela prosa. Então concordei, até meio
constrangido.
Concluído o meu atendimento, a prosa continuava
enquanto o caso dele passou a ser tratado.
Então, lembrando da sua fisionomia, o funcionário
acrescentou à informação do processo a ressalva
de que era inútil a busca de informação a cada quarenta
e oito horas, como vazia o aposentado, pela
impossibilidade de que algo de novo acontecesse
antes trinta, até sessenta dias.
O homem agradeceu, e fomos saindo para o
corredor. Então ele, esboçando um sorriso meio
maroto, disse:
- Eu sei que nada acontece em tão pouco tempo.
Esse processo já completou o seu quinto “aniversário”.
Mas eu sou aposentado, sozinho, quase não vejo os
meus filhos e netos e não gosto de ver televisão ou de
fi car o tempo todo jogando dominó com as pessoas
da minha idade. Como não pago passagem de ônibus
mesmo, eu fico circulando pela cidade, conversando
com as pessoas e sempre dou uma passadinha por
aqui. Só volto à tardinha pra casa.
Nos despedimos e eu fiquei pensando: Tudo na
vida tem o seu lado bom, mesmo quando, de tão
pequeno, esse tal lado quase não é notado.
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Cota de Loucura
A imprensa tem noticiado que o governo brasileiro
e determinados segmentos da sociedade estão
empenhados na criação de outros tipos de cotas, além
daquela para negros (chamados de afro-descendentes,
porque alguns assim consideram politicamente
correto), indígenas e outras chamadas minorias.
Segundo a idéia, deve haver garantia de cotas
em escolas, universidade, concursos públicos e em
outras situações.
Então, a sociedade, reconhecendo ser incompetente
para resolver as causas da brutal desigualdade
que assola a todos (brancos, negros, índios, amarelos,
terráqueos, enfim, e de egressos de outros
planetas) concebeu essa idéia para mim, no mínimo,
bizarra, voltada exclusivamente aos efeitos.
Consigo imaginar pessoas integrantes dessas ditas
minorias sendo apontadas, ao som de comentários preconceituosos como: aquele só está aqui porque
foi beneficiado pelo sistema de cotas...
Está na hora deste país tratar com seriedade os
seus mais angustiantes problemas. A desigualdade de
oportunidades é o maior desses problemas. É uma
verdadeira chaga, hoje sem chances de cicatrização.
No Brasil, não mais nascemos iguais. E essa
desigualdade vai se acentuando cruelmente a partir
dos primeiros dias de vida para a maioria do nosso
povo, aumentando o estado caótico ao qual todos
nós estamos submetidos.
Não é com artificialismos desse tipo que as
pessoas passarão a ter direitos iguais.
É sabido que muitos dos grandes episódios de
intolerância do mundo são gerados nos úteros da
estupidez e do privilégio, partindo da ótica de
perseguidores ou de perseguidos.
A igualdade começa na largada, lá na base, com a
garantia de equivalentes oportunidades para todos,
nas condições de saúde, educação, segurança, etc.
Tentar consertar injustiças sociais na linha de
chegada é imitar o avestruz.
Ah, não por coincidência, a nota da Folha de
São Paulo que noticiava: “Estatuto prevê cota para
negros em rádio e TV” trazia no rodapé: “Marcha
contra racismo reúne 2.500 pessoas em SP”.
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Um peso de Consciência
Eu agora sou um defeito.
O lado feio da sua vida, sem porvir.
A anti-arquitetura sem jeito.
A boca sem dentes que insiste em lhe sorrir.
Agora é problema seu.
Resolva o seu preconceito.
Vá fechar essa ferida.
Que tal procurar servir?
Agora é matar ou parir.
Isso aqui já é um vício.
Até cumpri a carência.
Eu já sei o ofício.
Sua rua é meu sítio.
A minha miséria, sua vergonha.
Eu estou na sua fronha.
Um peso de consciência.
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Peruada
Tomava café com um amigo após o almoço, na
Av. São Luiz, cidade de São Paulo.
Esbaforida, veio a dona do estabelecimento, preparando-
se para fechar a porta de ferro, contando
que estava a caminho uma grande bagunça, com
um monte de gente de cara pintada, sabe-se lá com
que objetivo.
Como ela não estava segura do que poderia acontecer,
optou por fechar as portas, tranqüilizando
(como ela, apavorada, poderia tranqüilizar alguém?)
os clientes, que foram autorizados a continuar “protegidos”
na parte de dentro daquela “fortaleza” que
a loja fechada passava a ser considerada.
Há pouco mais de uma semana de uma eleição
presidencial que mexe com a cabeça das pessoas,
porque parece inevitável a vitória de um pessoal que
sonhou com o poder por muito tempo, no início
tentando “chegar lá” com propostas raivosas, por
assim dizer.
Só que agora a turma veio engrossada por setores
até mesmo conservadores da Sociedade, portando
uma mensagem do tipo “Paz e Amor”.
Não tenho qualquer preconceito desse sonho,
apesar de não embarcar nele. Também não consigo
ter medo do que virá. Afinal, a sociedade democrática
tem o direito de fazer as suas experiências
e os seus enfrentamentos, até mesmo para, depois,
poder dizer o “gosto” de cada um dos “pratos”.
Há um certo ar de “vamos ver o que vai dar”. Notam-se pessoas empolgadas com o novo e outras
amedrontadas com o que ainda não viram.
Então, a mulher lá do café baixou as portas
rapidamente. Eu preferi ficar na rua.
Pouco tempo depois, lá veio a turba. Vários
policiais e viaturas faziam o “Abre Alas” do evento. Logo a seguir: Um trio elétrico. Um mundo de
jovens fantasiados, cantando, dançando, bebendo
e amando. A música era animada e o alto volume
não incomodava.
O jornal referido lá no fim informa que eram
cerca de dez mil pessoas.
Vi um “Papa João Paulo II” aos beijos com uma “Bailarina de Cabaré“; “Bin Laden” com uma “Estátua
da Liberdade”; “Saddam Hussein” e “George
Bush” de braços dados; “Batman” e “Robin” separados,
cada um com a sua gata; “enfermeiras” nos
braços de “pacientes psiquiátricos”; “Che Guevara”
trocando saliva com “Lady Dy”; uma senhora de
meia idade (e põe meia nisso) nos braços de um “negão” que falava um dialeto africano. Muita gente
quase indo às “vias de fato”. Uma loucura!
Enquanto isso, nós, engravatados, alguns assustados
com aquela festa, já ensaiávamos uns passinhos.
O trânsito? Uma Babel. Um pouco mais caótico
naquele pedaço da cidade.
Eu me lembrei de músicas do Chico Buarque.
Da Banda, que quando passava, mudava tudo à
sua volta, até que as coisas retornassem ao que era
antes. Também daquela valsinha em que o casal, já
bastante desmotivado pelo tempo, viveu loucuras
de amor em plena praça.
Era um evento promovido por um grupo de estudantes
de Direito da USP. Era o que eles chamam
de “peruada”.
Não dava pra entender quase nada. Era o império
da anarquia que se instalara de repente. Mas
eu morria de inveja e de vontade de entrar naquela
bagunça, que passou logo. Se demorasse mais um
pouco ...
A obrigação profissional me chamava e eu voltei
pro escritório, ainda engravatado, levando nos ouvidos
aquela música. Na memória, aquele “medo do
novo” da mulher do restaurante e a alegria de constatar
que não havia motivo para o temor da alegria.
Dias depois, o “Jornal Tribuna do Direito”
definiu a tal peruada como uma festa, um desfile
político-circense-carnavalesco, cujo lema é ridendo castigat mores (o riso corrige os costumes), que acontece
na terceira sexta-feira do mês de outubro.
Essa “patuscada estudantil célebre”, como
chamou o jornal, teria começado no início do
Século XX.
A referência à ave aconteceu a partir de 1948,
quando alguém furtou uns perus premiados de uma
exposição do Parque da Água Branca, em São Paulo.
As aves foram mortas, preparadas e servidas na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Todos apreciaram o prato, inclusive o Professor
Mário Mazagão, dono dos animais nobres que, antes
de concluída a digestão, ficou furioso ao saber a
origem do principal ingrediente da receita.
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Guerreiro
Nesses tempos em que virou moda a reclamação
pela reclamação, tenho testemunhado situações que
impressionam, até por certa banalização.
Além dos que sempre reclamam, há os que se
entregam e até facilitam a derrota. Parecem ter um
certo imã que atrai o insucesso, ou mesmo estar
sempre preparados para o pior, sempre previsível,
por provável, na sua imaginação.
Já outros superam os seus dramas e até riem
deles. Encantam pelo seu desprendimento e não se
entregam jamais.
Nesse último grupo está o Leonel.
Amizade de adolescência. Garoto bom de bola,
meio encrenqueiro e namorador. Com ele tive
grandes polêmicas quando as certezas da sua fé
evangélica questionavam as inquietudes que me
acompanham até hoje.
Desde cedo, o meu amigo aprendeu vivenciar
os seus problemas com coragem. Uma doença na
infância deixou-lhe inativos um rim e um olho.
Mas, o rim ativo também parou e o Leonel, na
máquina de hemodiálise, fez filtragem do sangue
por alguns anos, até ganhar um rim novo do seu
irmão.
Tamanha foi a qualidade de vida conquistada,
que voltou a trabalhar e passou a comemorar o seu
aniversário por três vezes ao ano. No dele, no do
irmão doador e no aniversário do transplante.
Depois, o olho bom também deu sinal de inatividade,
mas nada que impedisse o nosso bravo
guerreiro de recuperar a visão após ganhar uma
lente especial em uma intervenção cirúrgica.
Como a vida do nosso herói nada tem de simples,
depois de cerca de uma década de múltiplas
comemorações de aniversários, o rim transplantado
também resolveu não mais trabalhar. Ao que
parece, no órgão público faltou medicação contra
rejeição.
Foi inevitável o retorno à máquina de hemodiálise.
Caramba, parece uma história triste. Não é.
Esse homem teimoso é movido pela irreverência.
Ri da debilidade da sua saúde e dos desencontrados
diagnósticos médicos; oferece palavras de conforto
aos outros; não perdeu sua fé, inclusive depois de,
cheio de esperança, voltar a integrar uma fila de
transplante.
Esse guerreiro diariamente ensina-me a viver.
Permaneço atento às suas lições quando me permito
fraquejar nos meus enfrentamentos diários.
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Direito / Obrigação
Foi-se o tempo em que a Sociedade, oprimida,
permanecia calada com medo de ameaças muitas
vezes invisíveis, mas que pesavam sobre tantos
quantos ousavam reclamar direitos.
Lembro da minha recepção, como aluno da
Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, já há
alguns anos.
Na ocasião o diretor (de nome Faca, por acaso)
recomendava aos alunos que se comportassem,
porque, na discordância entre aluno e professor, a
razão caberia sempre ao mestre.
Hoje, felizmente, os tempos são outros.
As pessoas expressam livremente as suas posições,
lutam por seus direitos, pressionam governantes, fiscalizando,
denunciando, enfim, ocupando o espaço
destinado ao cidadão.
É certo que o chamado “aparato do Estado” não
dá muita importância para toda esta chiadeira.
As reações acontecem na TV, na família, na rua,
no trabalho, na política, nas religiões e por aí a fora.
Todos conscientes da importância do exercício da
cidadania, cada um buscando os seus direitos.
Tudo a favor de uma Sociedade que se mobiliza.
Mas, chama a atenção a avidez dessa busca por
direitos diante da apatia das pessoas quando chamadas
ao cumprimento de obrigações.
São meios e modos de adiar, de enrolar, de
descumprir, de levar vantagem, tudo para “empurrar”
para os outros aquela indiscutível obrigação
pessoal.
Não pertence à ficção a velha história de um
homem que, no camping, sempre exigia mínimos
direitos do grupo com o qual estava acampado.
Mas, fingia dormir até mais tarde apenas para não
participar do rateio das despesas do dia.
As coisas, sem dúvida, seriam bem mais fáceis
se todo o “serviço” reservado a cada um fosse feito
por cada um.
Pelo menos todos ouviriam menos reclamações.
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Busca
Fracassei em tudo que tentei na vida.
Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei
alfabetizar as crianças, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria, não consegui. Mas meus fracassos são minhas
vitórias. Detestaria estar no lugar de quem
me venceu.
Darcy Ribeiro
Na busca da cura
você pode descobrir
que a lição vem de dentro,
não adianta mentir.
Doença maltrata,
mas faz aprender
a importância do tempo
nos atos de viver,
que a tudo arrebata
a dor que corrói,
o Amor que constrói.
Intolerância é herança
de um tempo tão longe
em que eu era criança
e fi cava na fonte
de água impura
de lamento em lamento,
mas com tanta ternura.
Ausente a pureza,
não se foi totalmente.
Algo ficou,
a polpa e a semente.
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Convenção Coletiva de Trabalho
Convenções Coletivas de Trabalho. São textos
repetitivos, mas com detalhes que devem ser observados
com cuidado.
E, uma tal cláusula fez com que passasse a ser o
texto, chato e burocrático, também deprimente:
“O empregador fornecerá ao trabalhador uma
cesta básica contendo: dez quilos de arroz agulhinha
tipo 1; meio quilo de café torrado, com selo da
ABIC; meio quilo de fubá; três latas de ólea de soja
(900 ml); duas latas de extrato de tomate de 140
gr.; duas latas de 130 gr. de sardinha em óleo; uma
lata de 180 gr. de salsicha; uma lata de 700 gr. de
goiabada/marmelada; uma caixa de papelão”.
Eu fiquei imaginando se, como acontece em uma
dessas tragédias históricas, um terremoto repentino
matasse a todos nós e destruísse o nosso País.
Anos ou séculos depois, pesquisadores teriam
acesso aos objetos e documentos que teriam feito a
história do nosso tempo. Então, lendo a tal CCT,
eles teriam pensamentos confusos:
– Que gente detalhista era essa que ficava controlando
o que o outro comia?
– Por que tanto cuidado, até mesmo com o peso
da lata de extrato de tomate e com o formato do
grão de arroz?”
– Era importante saber o tipo de líquido em que
a sardinha boiava?
– Será que esses caras que trabalhavam e que
empregavam eram tão ruins de conta que os primeiros
não poderiam ter, nas mãos, o dinheiro do
seu salário para fazer o que queriam?
Eu tenho outro palpite. Eles perguntariam assustados:
Mas, que tipo de gente vivia neste lugar?
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Ana
São só três letras:
vó, tia (meio mãe), amiga e filha.
Nome bem curtinho, Ana.
Está por perto, mesmo estando a milhas.
Mulher forte,
aquele que te testemunha,
na vida, na morte,
homem de sorte,
dignidade tem porte,
obstáculo não acabrunha.
Por isso eu as acompanho, Anas,
tantas são em minha vida.
Eu já não as estranho:
Esse nome, essa luz. Quem duvida?
Mas, se o nome passa logo,
de tão curto, quer saber?
Ana, és tão grande,
impossível conhecer.
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As Plantas
– Alô!
– Ó, é sobre esse terreno que eu estou capinando...
– Sim.
– É que chegaram aqui dois homens e me mandaram
parar o trabalho.
– Mas, por quê? Falaram com ordem de quem
estão mandando você parar?
– Não, não. Eles só falaram que, no meio do
mato, “tinha” umas plantas que eles não “queria”
que eu arrancasse. Mas o que eu não “tô” entendendo é que eles “mesmo” estão arrancando “elas”
e colocando “numas caixa” de papelão. Agora eles “tão” levando tudo com muito cuidado pro carro.
Daqui do orelhão eu “tô” vendo.
– Sim, mas que plantas são essas ? Eles disseram?
– Não, só disseram que são plantas amigas deles,
uma erva. O que eu faço?
– Não faça nada não. Aliás, nem olhe muito pra
eles. Se estão com tanto cuidado , deixem que eles
levem tudo. Até facilita o seu trabalho.
– É mesmo! Mas que esquisito né?
– É. Vá tomar um café. Depois você volta e
continua quando eles já tiverem ido embora.
– Tá bom.
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Classes Sociais
Com a cara na vitrine, eu apreciava os cachorros
sendo tratados com o carinho que eles merecem.
Várias eram as raças e nenhum deles reclamava.
Ao contrário, um (que, na hora eu apelidei de
mentira, porque tinha pernas curtas) latia quando
a tratador saía de perto dele.
Unhas cortadas, partes íntimas e pelos secos com
um secador especial e orelhas limpas com muito
cuidado, com um produto (colônia?) que embebia
o cotonete de algodão.
Por um instante chamou-me a atenção uma
figura humana refletida no vidro da vitrine em
que estavam os cães. Era um homem maltrapilho,
cheio de sacos, com uma roupa extremamente suja,
tirando pedaços de cascas das muitas chagas das
suas pernas.
Ali a minha cabeça deu um nó.
Não sou daqueles que acha que os bichos deveriam
ser banidos da face da terra enquanto existirem
pessoas famintas entre nós. Penso que, se a pessoa
resolver ter um animal, estará assumindo a obrigação
de tratar bem do bicho.
Mas, diante daquela vitrine fui convencido de
que, hoje, os seres viventes do reino animal não
mais estão dividos em espécies, por exemplo, a
humana, a dos animais, etc.
A divisão agora é por classes. Com certeza aqueles
cachorros lindos e cuidados pertencem a uma
classe social situada bem acima da integrada por
aquele mendigo cheio de feridas.
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Doze Natais
Quando chega junho, normalmente as pessoas
se dão conta de que, mesmo ainda com gosto de
panetone na boca, é chegada a hora do quentão,
Os anos têm “voado” e as pessoas, mesmo se
assustando com isso, nada fazem para mudar as
coisas.
Lá na minha infância, eu já começava a “saborear”
o Natal em setembro. É que meu pai, um
pobre alfaiate, não tinha condição de dar aos filhos
presentes adquiridos em lojas.
Então, já em setembro ele começava a “fabricar”
artesanalmente miniaturas de um “fenemê”, um
caminhão que saía da fábrica brasileira F.N.M. (Fábrica
Nacional de Motores), plantada em Xerém,
ao pé da Serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e
que depois foi comprada por uma multinacional
italiana.
Hoje, lá pertinho, está o Centro de Treinamentos
do meu querido Fluminense Futebol Clube,
fabricando craques.
Bem, durante o intervalo do almoço, o Seu Cleto
ia fabricando as peças do “veículo” que ficaria pronto
em um mês. De setembro a dezembro ele fazia um
para cada um dos seus quatro rebentos machos.
Sempre com madeira cortada e lixada artesanalmente,
sendo as rodas o único “componente” feito
por encomenda a um marceneiro profissional. Os “faróis” eram feitos com tampinhas de pasta de
dentes, cuidadosamente trabalhadas e pintadas.
Pois bem, a “frota” de caminhões de madeira ia
ficando pronta e guardada a sete chaves até dezembro,
quando, no Natal, cada um dos quatro garotos
do alfaiate ganhava o seu “possante” e saía orgulhoso, “pilotando”, para inveja de alguns vizinhos,
cuja abastança não lhes garantia um brinquedo
tão original.
Bem, tudo isso para dizer que o mês de dezembro
era aguardado com ansiedade e, no seu final,
ficava aquele gostinho de que o próximo dezembro
demoraria.
Hoje, os dezembros vêm bem mais rápido e nem
isso faz com que as pessoas guardem no seu interior,
para o ano todo, restinhos dos desejos de felicidade,
paz, prosperidade, alegria, saúde para dar e vender.
Enfim, mal virou o ano e as pessoas se esquecem
desses votos e todos voltam à “selva” da disputa, da
falta de educação, da crueldade e da indiferença.
Seria bom se todos os meses do ano se chamassem
dezembro. Ah se tivéssemos doze Natais!
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Fugir do Futuro
Se não valer a pena tentar.
Não mais se saberá
pra onde leva o amar.
É que a nuvem não deixa passar a fé.
O sabor da conquista vem disso tudo.
A fuga da luta é para os que medem cada passo,
deixando para trás amizades, abraços,
o viver pra depois.
Carinho adiado.
Emoções sob controle,
sentimentos reprezados
eu não censuro.
Como é que você pôde
ignorar o passado,
renunciar ao presente,
fugir do futuro?
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Experiência
“A experiência não é aquilo que acontece conosco; é o que fazemos com aquilo que acontece conosco”.
Aldous Huxley
O autor de Admirável Mundo Novo apontou
uma alternativa àquela da sua principal obra, O Admirável Mundo Novo quando, em ficção, até o
sentimento das pessoas era coletivizado.
Aqui, ele parece nos dizer: Você pode mudar o
rumo da sua vida. A partir das suas experiências. Só
depende de você.
E quanto àqueles que pautam (engessam?) os
seus sonhos (muitas vezes também o dos outros)
com máximas nascidas de experiências passadas? Coletivas ou individuais.
Lembro muito disso quando ouço conversas de
mulheres grávidas, muitas vezes passando, uma para
as outras, experiências e histórias ruins. Não sou especialista
no assunto, mas são notórias as diferenças
do que se passa em uma e em outra gravidez, ainda
que da mesma mãe. Então, os médicos têm aumentado
o seu trabalho apenas para aquietar alguns
mitos que costumam angustiar as gestantes.
Assim também acontece na vida cotidiana,
quando se formam posições rígidas sobre a vida, a
partir de determinada experiência passada, quando
eram inteiramente diferentes as personagens,
os atores e o ambiente.
Ficamos combinados: O resultado das experiências
do “laboratório” de cada vida poderá ser
mais valioso que a mais valiosa das experiências de
outros “laboratórios”, muitas vezes apresentadas
como verdadeiros dogmas.
Sem isso o futuro sempre será previsível. E
chato!
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Viés de Baixa
A Bolsa despencou. O dólar disparou e o Risco
Brasil chegou na órbita da lua. Além do mais, a queda
vertiginosa dos índices Dow Jones e Nasdaq contribuíram
ainda mais para o quadro de pessimismo
por aqui. Enfim, fatores conjunturais provocaram
inquietação no mercado e, nervosos, os Agentes Econômicos
marcaram posição estratégica de venda, já
que passou a fase de realização de lucros das grandes
corporações que integram o índice Bovespa, sendo
crescente a preocupação com as pesquisas eleitorais
do país.
Todo dia a imprensa despeja nas nossas orelhas e nos
nossos olhos esse monte de dados herméticos que ela
chama de informação econômica. São dados incompreensíveis
para a maioria dos mortais, que não fala
economês.
É claro que cada profi ssão tem o seu palavreado
próprio. Bem esquisito para estranhos ao meio.
Contudo, é demais o que acontece com o economês.
Ele invade as nossas casas, atrapalhando a
hora da janta. Impressiona a segurança com a qual
os jornalistas tratam do assunto, como se eles entendessem
tudo do que estão falando.
Todo mundo sabe que todo esse jogo econômico
não é inocente. O fator emocional ali não é casual. Ele é
muito bem planejado, sob medida para o lucro. Para o
lucro de alguns, que têm até nome: os especuladores, que
plantam dramas “do nada” para colher o lucro fácil
logo ali na frente.
Eles agem aqui e lá no exterior. Lá em Nova York,
uma meia dúzia de analistas de Wall Street, com suas
coloridas gravatas de gosto duvidoso, adotam os mais
malucos critérios para aumentar ou para diminuir
(mais para aumentar) o chamado “Risco Brasil”,
que são notas conferidas ao Brasil e a outros paísesvítimas,
como se estivéssemos em um programa
de auditório transmitido diretamente da Casa dos
Horrores.
Há gente que diz que isso é ciência. Ciência econômica.
Para mim, um daqueles mortais de que falei
no início, mas que cultiva o hábito de raciocinar,
essas manobras que aquecem e esfriam, agitam e
acalmam o humor do mercado são produto de uma
atividade perniciosa de boateiros e de oportunistas,
que agem como se possuissem uma maquininha que,
no fundo do quintal, funcionando a todo vapor, imprimisse
dinheiro verdadeiro. Portanto, sem o menor
risco de punição.
E, o que é pior, esses agentes econômicos, especuladores,
apostadores... sei lá, apesar de visíveis, não
são identificados nunca!
Ah! Já ia esquecendo: O dólar pode estar no chão
ou no céu e a última decisão sobre os juros (absurdos)
praticados no Brasil, veio acompanhada de um viés
de baixa.
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A Quem Aproveita?
Há horas que parece que não sairemos mais da
atmosfera de violência em que mergulhamos já faz
algum tempo.
E logo o povo brasileiro, sempre apontado como
ordeiro, pacífico, cordato, alegre e feliz.
São seqüestros, pedofilia, mortes banais, tráfico, prostituição infantil e mais um “rosário” de
absurdos.
Na prática, temos um verdadeiro poder paralelo
(o do crime) que vai se infiltrando em todos os
segmentos da sociedade.
Até mesmo nos ditos poderes constituídos já
foram detectados “sinais” de que o corpo social está
sendo “infectado” de forma preocupante.
A morte de um repórter “global”, quando realizava
um trabalho de jornalismo investigativo, resultou,
além do lamento pela perda de mais uma vida, na
esperança de que algo aconteça diante da verdadeira
comoção que o fato causou.
Esse triste fato oferece mais uma oportunidade de
reflexão sobre o papel da imprensa e sobre o papel
de cada cidadão na situação caótica hoje vivida por
todos nós, no Brasil.
Não seria o caso dos mais destacados personagens
e órgãos da imprensa pensarem em uma
espécie auto-regulamentação? Não seria o caso
de cada um pensar naquilo que pode fazer para
colaborar?
Nenhum questionamento àquilo que é chamado
de liberdade de imprensa ou de liberdades individuais.
Estas foram duramente conquistadas pela
sociedade brasileira ao longo dos últimos anos.
Mas, é aí que a responsabilidade aumenta,
porque, se a imprensa pode linchar moralmente
uma pessoa ou uma instituição séria para, depois,
constatar a sua inocência (vide os casos do Bar
Bodega e da Escola Base, aqui em São Paulo), ela
também pode, com ação ou com omissão, reforçar
comportamentos daninhos que depois vitimam
toda a sociedade.
E, o que é pior, numa ou noutra situação, a
retratação, por mais ampla que venha a ser, jamais
terá a repercussão da ofensa injusta. É como o que
acontece naquele exemplo do homem que, do alto
da torre da igreja de uma pequena cidade, despedaça
um travesseiro de penas. Nunca será possível
a recuperação de todo o conteúdo do travesseiro,
sejam quais forem os esforços para isso.
Então, sujeito a todas as críticas possíveis, pus-me
a pensar sobre o que resolvi chamar de “utilidade
da informação”.
Sim, porque a imprensa e cada um de nós, cidadãos,
muito pode fazer no cotidiano, mesmo em
situações aparentemente distantes do crime que nos
atormenta diariamente.
Então, a quem aproveita a imprensa:
1. Tornar públicas especulações, especialmente
financeiras, concebidas sob medida para o lucro de alguns
e para o prejuízo da maioria dos desavisados?
2. Omitir deliberadamente ou negar destaque à
identidade de pessoas e de empresas que prejudicam
o cidadão em suas atividades cotidianas?
3. Concentrar na época de eleição informações
comprometedoras de certos homens públicos ao
invés de abordá-las ao longo do tempo?
4. Não questionar e/ou não abordar com a freqüência
necessária os critérios das pesquisas eleitorais
que estimulam (induzem) o pesquisado a escolher
o pré-candidato “a” ou “b” pela imagem, ao invés
de, simplesmente, perguntar ao cidadão qual a sua
intenção de voto, já que a pesquisa volta-se a apurar
essa intenção e não a substituir o processo eleitoral?
5. Não questionar o gasto imoral em milionárias
campanhas publicitárias (por intermédio dessa
mesma imprensa) da máquina estatal, enquanto
hospitais, escolas e cadeias caem aos pedaços?
6. Revelar estratégias de atuação da polícia,
antes ou depois da ação voltada a esclarecer crimes,
se essa estratégia pode ser usada novamente em
delitos semelhantes?
7. Detalhar aquilo que deu errado nas atitudes
da criminalidade, não colaborando para que, em
ações futuras, “concorrentes” cometam os mesmos
erros?
8. Roteirizar os meios e modos de uso de drogas
ilegais, mesmo aquelas ainda não completamente
conhecidas do grande público “consumidor” como
fez, há alguns anos, um grande jornal de São Paulo,
ao “detalhar” ponto a ponto, a forma para o viciado
consumir “crack”, inclusive com desenhos do tal
cachimbo da morte?
9. Não tornar público sistematicamente a
identidade de fabricantes que declaram nomes de
componentes que não usam na formulação dos
medicamentos?
10. Não questionar importantes segmentos
da Sociedade, que permanecem estrategicamente
cegos, surdos e mudos ao fato de ser o consumo
da droga (muitas vezes por insuspeitos membros
dessa mesma sociedade) um dos mais importantes
fatores desencadeadores da violência?
11. Não conclamar essa grande quantidade
de pessoas à interrupção do consumo droga, por
exemplo, por seis meses, só para que eles vejam que,
como em um passe de mágica, definhará o tráfico,
o crime e as outras malditas conseqüências?
Então, senhores, não estaria na hora de assumirmos,
cada cidadão, cada segmento social (inclusive a
imprensa) a sua parcela de culpa pelo caos que estamos
vivendo em uma sociedade sem inocentes?
Topo da Pagina
Tipos Paulistanos
Lá no escritório da Rua Braúlio Gomes, centro
de São Paulo, a gente escuta todo o burburinho da
Rua Sete de Abril, inclusive alguns diálogos mais
exaltados.
O prédio fica na esquina das duas ruas e as características
dessa última via, com prédios construídos
e carros estacionados de ambos os lados, permitem
que os sons subam e cheguem com bastante clareza,
mesmo aos andares mais altos.
Além da interminável disputa entre os “guardadores”
de carros, o clamor dos chamados marreteiros,
o acionamento desnecessário das sirenes das
viaturas policiais, alguns tons se repetem a ponto
de se tornarem familiares até mesmo aos ouvidos
menos atentos.
Um cachorro viaja pra lá e pra cá sobre a carga
de papelão que enche uma carroça, puxada por
um homem, presumidamente o dono dos três (do
cachorro, da carroça e do papelão). Lá de cima, com
a presteza de um guardião, o portentoso vira-latas
ameaça com latidos estridentes a tantos quantos
estão próximos do seu “território ambulante”.
Gritos insistentes ecoam: BRASIL! BRASIL!
BRASIL! É um ciclista que, boa parte do dia,
transporta não sei o que pela região em uma bicicleta.
Em arroubos de amor à Pátria por aqui só
vistos durante a Copa do Mundo, o tal homem
berra várias vezes o nome do nosso amado País (no
que é repetido por outras pessoas), em brados de
nacionalismo que põem à prova o patriotismo de
qualquer um.
Uma mulher era a personagem mais marcante.
Traços finos, fisionomia dura, vestida de branco
dos pés à cabeça. Portando um potente megafone,
sempre ficava ali, na Rua Sete de Abril, coincidência
ou não, bem debaixo da minha janela, cantando
direto aos meus ouvidos:
– “Com minha mãe estarei, na Santa Glória
um diiiiiia, ao lado de Mariiiiiia, no Céu triunfarei.
No cééééééu, no cééééééu, com minha mãe
estarei. No cééééééu, no cééééééu, com minha
mãe estarei.”
E o cântico era sempre interrompido por admoestações às moças que passavam vestidas de forma mais
ousada. Uma de mini-saia, por exemplo, ouvia:
– “Isso é um absurdo. Os anjos choram no céu
quando uma moça se veste assim!
A tal mulher do megafone morava – ou mora – no Edifício Copan, um dos prédios mais conheci
dos da cidade por suas linhas sinuosas, em projeto de
Oscar Niemayer. Aliás, ele tem um “irmão gêmeo”
no Rio de Janeiro. Um prédio perto da PUC-RJ, sob
o qual um governo fez passar o acesso a um túnel.
Bem, mas eu sei o endereço da mulher porque a
TV Cultura de São Paulo fez uma matéria sobre o
tal prédio e sobre os seus moradores mais, digamos
assim, ilustres.
E lá estava a tal mulher do megafone na TV, com
o seu cântico preferido:
– “Com minha mãe estarei...”.
Enquanto isso eu me descabelava com um daqueles
prazos que só os advogados sabem como
incomodam.
Quando o religioso encontra na religião motivos
para se achar superior aos outros ou, investido de
poderes divinos, para perturbar os seus semelhantes
não iniciados, coisas muito ruins passam a ser legitimadas. Até mesmo a violência. A história, remota
e recente, nos dá tantos exemplos...
Várias vezes eu desci para apelar pela diminuição
do volume do som daquela que, para os meus tímpanos
e para a minha necessidade de trabalhar, estava
se transformando em uma “máquina mortífera”.
Mas sempre me faltou coragem para falar com
a tal mulher. Imaginava: “Se ela dá um discurso
daqueles por causa de uma simples mini-saia, como
ela reagiria diante do meu pedido de redução de
volume daquela ‘coisa’ ?”. Ela poderia até aumentar
o volume só para reprimir aquele “devasso que teve
a ousadia de interromper os seus augustos trabalhos
de purificação do Universo.”
Resolvi falar com um policial, até mesmo para
despersonalizar a reclamação, que passaria a ser
atribuída ao “pessoal do prédio”. Mas, o policial se “safou”: “O que é isso doutor ? Olha a liberdade da
mulher! Os Direitos Humanos!
Intimidado, voltava ao 9o andar e, por dias,
meses, punha em prática um já gasto ’’exercício
de resignação”.
Um dia, em pleno acesso de desespero, cheguei
a imaginar a possibilidade de “financiar” o “seqüestro” do tal equipamento. Falou mais alto a
consciência. Afinal, para me livrar de um problema
eu estaria incentivando o crime ou o nascimento
de um criminoso.
Quase resignado, eu convivia com a minha sina
até que... silêncio. A cantilena acabara. Que alívio! É que uma grande quantidade de água vinda do
alto – e não era chuva! – caíra sobre a tal mulher e
o sobre seu instrumento, encharcando a ambos.
A partir de então, Milagre? Não sei. Ambos
silenciaram!
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Liberdade da Imperfeição
Na verdade, sou um homem feito mais de
dúvidas que de certezas, e estou sempre
predisposto a ouvir argumentos e a mudar
de opinião. Tenho mudado muitas vezes na
vida. Felizmente.
Darcy Ribeiro
Do óbvio cuida o vigia,
de que nada fuja do previsto.
Mas, agora o imprevisto:
E se o bom for ilógico?
E se o bem repentino?
É pra matar o improviso?
Perseguir o imperfeito?
Censurar o meu peito,
sem direito a aviso?
E o que eu faço comigo?
Esse autêntico coreto
em que a música é alegre,
em que o barulho é perfeito?
Você quer enquadrar
a criação do melhor?
Quem sabe organizar
pra criar o pior?
Porque o previsto é fácil,
é fácil matar.
Eu não morro sem ver,
sem ver como você
vai viver na babel,
na bagunça lá do céu.
Topo da Pagina
Caráter x Reputação
“Preocupe-se mais com o seu caráter que com
sua reputação. O caráter é aquilo que você é
realmente, enquanto a reputação é aquilo que
os outros pensam que você é.”
John Wooden
Esquisito um conselho desses em um tempo de
extrema “glamourização” das aparências. Quando as
chamadas “celebridades” são criadas do nada.
As pessoas estão incorporando naturalmente,
como verdades definitivas, as fantasias concebidas
pela mídia especialmente para convencer que o
consumo, em si, é capaz e suficiente ao suprir as
pessoas de felicidade.
É como se nada cada um pudesse fazer pela própria
vida, a não ser consumir e consumir.
É claro que o consumo é uma realidade. Até positiva.
Mas, transformar o acessório em principal, a ponto
de alienar toda uma Sociedade já é exagerado.
Esse exército de desavisados está sendo manipulado
de uma forma preocupante. Pouco vale o
caráter das pessoas. Apenas importa o que elas têm
ou que aparentam ter.
Enfim, etiquetas passaram a pesar mais que a
própria roupa. Um produto de grife motiva, até
mesmo os ladrões, em suas violências, como se
fossem jóias.
É o império da embalagem e a derrocada do
conteúdo.
Legitimamente, nenhuma força poderá conter
essa avalanche, a não ser o esclarecimento de cada
um, para que dose os seus impulsos consumistas,
preservando a sua essência humana.
Se não houver essa tomada de consciência desde
os primeiros anos de vida das crianças, estarão irremediavelmente
fragilizados, pela desqualificação,
valores como amizade, honestidade, ética e bom
senso. Tudo em nome da aparência.
Aparência que motiva um grupo de pessoas sem
ocupação a se enclausurar em uma casa, permitindo
que suas vidas sejam defasadas por outro grupo
também pouco ocupado, em troca da notoriedade
e do dinheiro que não os tiram das suas vidas fúteis,
apenas voltadas à próxima compra.
Topo da Pagina
Certeza
Sou um amigo do Céu.
Sou exemplo pra isto.
Sou um fl uxo de mel.
Sou um amigo de Cristo.
Mas também sou uma peste
no mundo, um mundo tão vil
Ah! pelo menos se desse,
ser o melhor do Brasil.
Quem sabe, então, quem sabe?
Eu pudesse fazer,
com a espada no sabre,
meu pensar mais valer?
É quase frustração,
um certo complexo,
só não há depressão
o outro é o resto.
Ninguém me ensina,
salvação atraiu
legiões de fiéis
pra cantar na esquina.
São todos do bem,
cada um do seu jeito.
Do outro lado o mal,
é de lá do defeito,
é de lá o meu ganho.
Eu tenho certeza.
Eu sou o eleito.
Eu tenho um rebanho.
Para alguns “salvadores” de almas.
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Autenticidade, mas...
“Um ’não’ quando é dito sem medo pode ser
melhor e mais importante que um ‘sim’ dito
apenas para agradar ou, o que é pior, para
evitar problemas”
Gandhi
As chamadas convenções sociais sempre reprimem
as pessoas para que não falem o que lhes vêm
à cabeça. É o que se convencionou chamar de comportamento “politicamente correto”.
O registro da passagem do tempo pelo número
de anos traz inconvenientes. Não fosse assim, as
pessoas não mentiriam tanto quando são chamadas
a dizer a idade que têm.
Em compensação, a idade abre as portas do ser
humano para a autenticidade. Para a possibilidade
ser ele mesmo, com franquia para usar quantidade
mínima de dissimulação, essa espécie de “maquiagem”
social.
Aos poucos, o sujeito vai conquistando a liberdade
da autenticidade. De dizer para o mundo
sobre quase tudo que acontece nas suas entranhas
emocionais.
Isso tem um sabor especial e o personagem até
pode abusar da oportunidade de ser e de dizer
exatamente o que é e o que pensa. O cara pode
fi car inábil e se meter em atritos perfeitamente
evitáveis.
É frustração na certa, porque um grande estoque
de razão não impede o erro de forma, o que
produz o papel do vilão infeliz, que, com sutileza
comparável a de um elefante epilético, se mete em
encrencas sim, mas cheio de boas intenções.
Não é inevitável que se lambuze aquele que
nunca provou do melado.
Outro perigo é o cidadão encher-se de verdades
definitivas colhidas no tempo e encastelar-se com
elas, negando-se a aceitar as inovações do tempo e
diferentes óticas de diferentes pessoas, até dificultando
o diálogo com aqueles que não reuniram um
estoque tão grande assim de “lições divinas”.
Evitados os excessos, o ser humano deve preservar
como uma “carta de alforria”, a sua liberdade
de dizer não, sincera e elegantemente.
Afinal, não agradará a ninguém quem, antes de
tudo, não se agradar.
Topo da Pagina
Esperança de Ser
Quando eu vim lá da roça,
atraído por tantas luzes,
imaginava o progresso
e não essa joça de vida,
essa soma de cruzes.
É que aqui sou ninguém,
só uma peça dessa máquina, mãe.
Amor é vintém,
eu não agüento, mãe.
E aí vem o preconceito,
a polícia, o prefeito.
Todos só me dizem:
Sai prá lá seu miserável,
por aqui não tem mais jeito.
Volte lá pro seu sertão.
Vá puxar a sua enxada.
Remexer a terra seca,
comer farofa e buchada.
Mas, aí é que dói, seu moço,
agora a família cresceu,
os barrigudinhos conheceram TV, refrigerantes e
hot dog.
O que eu faço com esse osso?
Eu não sou mais o mesmo, por favor não me
provoque.
Depois de tudo que aconteceu,
eu perdi essência, eu virei um escroque.
O retorno é terrível.
A vergonha derrota.
A cada dia que passa,
a esperança desbota,
eu só penso em desgraça,
nesse mundo sem volta.
E como eu posso ter
esperança na vida,
esperança de ser?
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Um Grande Problema
Alguns ainda guardam a velha imagem do advogado
de anos atrás, quase como uma espécie de
alquimista preparado para “desvendar” os mistérios
da vida das pessoas.
Depois, no Fórum, um lugar inacessível à maioria
dos cidadãos, com o juiz (uma figura quase “divina” para os comuns) e com o promotor, esse
advogado ajudava a decidir a vida das pessoas, a
partir da regra “infalível” da lei.
Isso vem da nossa herança jurídica. No século
XIII, uma parte dos países de então adotou o costume
como instrumento para decidir os seus conflitos.
Outros povos adotaram um sistema amparado essencialmente
na lei, até mesmo criando um ditado:
A lei é dura, mas é a lei.
Não é preciso muito esforço para concluir que
os povos que influenciaram a cultura jurídica brasileira
optaram pelo sistema que privilegia a lei, texto
escrito mesmo.
Tanto é, que o inciso II do artigo V da Constituição
Federal do Brasil determina que: “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”.
Esse modo formal de pensar e de agir deu origem
e acabou por influenciar a formação dos nossos
profissionais do Direito e, especialmente, a opinião
da sociedade sobre eles.
Mas, os tempos mudaram. O curso superior
deixou de ser o ponto de chegada da formação de
profi ssionais, inclusive do advogado. Não mais se
poderá parar de estudar.
Tudo porque a nossa sociedade se alimenta do
novo, que já envelhece no momento seguinte ao
da criação.
E o Direito não pode ignorar que, hoje, a vida das
pessoas é incorporada por uma multiplicidade de
conhecimentos, especialmente os de cidadania.
Então, uma multidão de insatisfeitos passou a
engrossar filas no Fórum, aguardando, anos e anos,
pela solução de problemas, por mais simples que
sejam.
E o Estado, ao qual a Sociedade civilizada deu
poderes para distribuir justiça, mostra, diariamente,
a sua saturação e a sua incapacidade de bem
desempenhar o seu papel.
Esse mesmo Estado tem permanecido bem longe
das pessoas. E este não é um problema exclusivo dos
países situados abaixo da linha do equador.
Impossível que os homens que administram
a Justiça continuem ignorando as mudanças que estão em andamento nas pessoas, nas nações e até
nos blocos econômicos formados por países.
Enquanto as mudanças não vêm, os novos tempos
cobram meios e modos de rápida solução de
problemas, de preferência bem longe do prédio do
Fórum. Em arbitragem, por exemplo.
Hoje, a Sociedade exige que todos aqueles que
trabalham com o Direito sejam, antes de tudo, intérpretes
do seu tempo; mediadores de interesses.
Alguém capacitado a harmonizar posições, empregando
toda a sua energia para que a solução dos
conflitos cotidianos não precise da Justiça.
O caos do Judiciário é a causa de boa parte dos
nossos problemas, tais como insegurança e desemprego,
filhos diletos da falta de investimentos
sociais.
Uma Justiça ineficiente, por incrível que possa
parecer, até “castiga” os investimentos produtivos,
geradores de progresso.
Topo da Pagina
Coração Menino
Esse coração menino
estava acelerado,
assim, apressado.
Formato de pequena mão,
tanto batia que o meu apanhava,
como sofria o pai,
pior que o seu, só o meu coração.
Mas, a tecnologia,
o modernismo divino,
quase brincando,
resgatou o meu menino.
E eu aqui levitando,
não sabendo como agradecer,
era tanta gente vibrando,
que eu não sei nem dizer.
Pois eu aprendi mais uma,
a cada dia se vai confirmando:
Por que esperar pra ser feliz,
se a gente pode ir conquistando?
PARA VINÍCIUS
SÃO PAULO, 31 DE MAIO DE 2000
Topo da Pagina
Eternos Craques... Suas Idas e Vindas
Vi o filme do Pelé. Aliás, comprei o DVD para
vê-lo quando quiser lembrar de um grande artista.
Sempre existirão comparações. “A” ou “B” poderia
ter sido melhor.
Mas, eu vi (sim, eu vi, essa é uma das vantagens
de ter mais que 50) o Pelé jogando, inclusive contra
o meu Fluminense. Não era diferente do que está
no filme. O homem era genial. Incomparável.
Não era incomum eu ir ao “Maraca”, com irmãos
e amigos, apenas com o dinheiro do trem; da entrada
na Geral (que acabará, breve, após a reforma para
os Jogos Pan-americanos de 2007).
Às vezes era possível comprar um único picolé.
Um dia esse luxo me foi arrancado da mão, atingido
por uma meia laranja chupada vinda da arquibancada.
Então, não tive dúvida: “socorri” o tal picolé
no chão e o lavei no imundo WC das Gerais do
Maracanã. Depois, o saboreei até o fim.
Pra quem não sabe, a Geral é um lugar (com as
entradas mais baratas) de onde se pode ver o jogona pontinha dos pés, quase só se enxergando as
chuteiras dos atletas. De lá, a visibilidade do que
se passa no campo só não é menor que o preço do
ingresso.
Mas o filme do Pelé também me lembrou de
outros craques que vi, tanto no Maracanã quanto
no futebol de várzea. Eram as minhas diversões da
pré-adolescência.
Eu ficava encantado quando entrava no Maracanã,
apenas pela magia daquelas milhares de cores
das roupas dos torcedores que eu via na arquibancada,
daqui de baixo, da Geral. Eram normais
públicos de 100.000 pessoas. Hoje se faz “festa”
para públicos de 50.000.
O encantamento era o mesmo com o futebol
que logo viria. Quase não era sofrido pra mim.
Afinal, o Flu tinha belos times.
Se o “Maraca” e o futebol lá jogado enchiam
os olhos, era deprimente a proximidade com o
passado de então, na várzea. Foi num campo de
futebol desses, em um local chamado “Prainha”,
que vi Garrincha e outros, em melancólico fim de
carreira, jogando em troca de alguns goles.
Na época, o rapaz aqui se abismava com aquele
paradoxo entre a magia do então maior estádio
do mundo e os campos de pelada, na beira de
um mangue.
E tem gente por aí que, depois de discutir legítima
e bravamente com o seu patrão por melhores
condições de trabalho, lembra com sentimentalismo,
os “velhos tempos” em que os atletas de futebol
atuavam “por amor”.
Que se trabalhe por amor, no futebol e fora dele.
Mas, também, que se exija profi ssionalismo e seriedade,
de trabalhadores e de empregadores; de atletas
e de dirigentes. Mas, que se deixe saudosismos fora
de propósito.
Trabalhadores, inclusive artistas e até os do futebol,
dão lucro. Devem, portanto, ser bem pagos por
isso. Mas, sempre em troca de trabalho sério.
Simples, não?
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O Preço
Apenas correr não adianta. É indispensável partir a tempo.
Autor desconhecido
Se o tempo
der tempo
pra conseguir o meu intento.
Se você não abusar
do direito de recuar.
Será o caso de tentar,
pelo menos uma vez,
com emoção em escassez,
crescer sem sofrer,
amar sem sonhar.
O amadurecimento é tarefa dura,
o progresso é subida longa,
no regresso a trilha é escura
sempre com muita delonga.
Se eu insisto em cobrar da vida
recompensas nem sempre justas,
é porque já aprendi
que o aprender muito me custa.
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Um Luxo Só... ou Mais?
Especialistas em grife concluíram que, ao contrário
dos verdadeiramente ricos, são as ditas pessoas
emergentes as consumidoras da maior parte desses
produtos.
É compreensível que o estilo de vida dos ricos
seja uma atração por si só.
É certo que, mesmo sem ser consideradas ricas,
as pessoas emergentes desfrutam de recursos inimagináveis
para a grande maioria da população do
mundo.
Mesmo assim, recorrem a caras grifes (seja em
roupas, em carros, na escolha de bairros para viver
ou de ambientes para freqüentar), possivelmente
sob parcelamento em “cheques pré”, na busca de
status, como totens que lhe abririam as portas para
a fantasia da riqueza que ainda não conseguiram.
Nada contra. Que cada um pague o preço, se o único objetivo for o chamado glamour.
O complicado é que esses emergentes, também
atraem uma outra leva de pessoas, das classes média
e baixa que incorporam a infeliz idéia de que a
ascensão social apenas virá pelo uso de uma grife deluxo, não mais interessando o resto.
Pobres os que alicerçam suas vidas apenas em
valores materiais.
Topo da Pagina
São Paulo
Cidades violentas,
cidades afins,
elas afugentam
o melhor de mim.
Quando vejo você,
confusa, suja, triste, alegre,
chego a perguntar:
És um grande albergue?
Albergue de uns,
rejeito de outros,
quem sabe comuns?
E quem fica com o troco?
Eu vou conhecendo
as suas entranhas.
Ora surpreso,
ora conformado.
Eu sei que estou preso,
mas não condenado.
Eu amo você,
Mas não sei de que lado.
Topo da Pagina
Quanto Menor Melhor
A Revista Época, de 27/12/2004, noticia que o
homem começa a dominar a tal nanotecnologia,
capaz de uma revolução tecnológica no mundo.
Dos remédios aos carros.
Na nano, que é a bilionésima parte de um metro,
está a esperança do tratamento de doenças devastadoras.
Do câncer à Aids.
Entender o fenômeno de que estamos falando,
só mesmo pela comparação: Uma pulga mede um
centímetro, um fio de cabelo oito microns de diâmetro. Um glóbulo vermelho, sete microns.
E mais comparação, só que na chamada “escala
nano”:
Uma bola de futebol (vinte e dois centímetros
de diâmetro) x uma molécula de carbono 60 (zero
vírgula sete nanos), ou seja, cem milhões de vezes
menor do que a “gorducha”, que tanto alegra quando
entra no gol adversário.
Aí a pergunta que não quer calar: Seria material
ou imaterial a tal molécula de carbono 60? Ora,
uma bola eu consigo ver. Uma célula não.
Mas agora já se consegue medir a célula. Então ela é algo material. Só que com muito menor densidade
do que a tal bola de futebol.
É hora de revisão de conceitos. Até sobre materialidade
ou imaterialidade.
Será preservada a teimosa classificação, como material, apenas daquilo que o olho humano alcança?
Ainda há gente que só acredita no que vê!
Topo da Pagina
Imaginação...
Ah! Se os homens de bem tivessem a imaginação
dos canalhas!
Arnaldo Jabor
Toda vez que acontece um desses golpes magistrais
tão comuns nos dias de hoje, especialmente na
informática e na política, fico me perguntando se
quase todos os problemas deixariam de existir se as
pessoas ocupassem pelo menos parte da sua imaginação
para conceber benefícios para a humanidade.
Parece que estou querendo muito.
A história dos povos, inclusive aquelas narradas
na Bíblia, está recheada de situações tão criativas
como criminosas. Em contrapartida, não são assim
tão numerosos relatos sobre grandes obras, ditas
do bem.
No mundo jurídico, quando se trata de dano à
moral das pessoas, é comum a comparação dessa
moral com um lençol limpo e puro. Assim, ao receber
o primeiro ponto de sujeira, por menor que seja,
a credibilidade da pessoa estará irremediavelmente
comprometida.
O que alimentaria a propensão do gênero humano
em valorizar a negatividade?
Não me lembro de alguma pessoa conhecida
como “fofoqueira” por divulgar fatos positivos e
grandes feitos das outras.
Talvez essa “magia do mal”, por assim dizer,
freqüente o imaginário humano, acionando algum
dispositivo que turbina a inteligência para a prática
de tantas canalhices mundo afora.
Ou seria a atração humana pela tal transgressão,
da qual tanto falam os psicólogos?
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Pré-Estréia do Fim
Esse mundo de papel,
cada vez mais gente sem valor.
Isso não pode ser o céu.
Duvido que aqui nasça uma flor.
Um emaranhado de problemas,
uma energia pesada.
Ser humano sai de cena,
só se fala no sistema,
emoção quase zerada.
E que barra tão pesada.
E que vida esbranquiçada.
Eu estou em um cartório,
aguardando uma carga.
Processos e processos, assim...
Uma gente tão amarga.
É muito drama. É muito mal.
Uma espécie de umbral.
Pré-estréia do fim.
Topo da Pagina
Eu ti ai love iu
Festa de aniversário de adolescente. O Bernard.
Lá no Rio de Janeiro.
Como sempre, grupos formados por faixa etária.
De um lado, coisas de família; lembranças; aposentadoria;
remédios...
Do outro, funk; meias palavras; gírias de época;
roupas bem largas. A irreverência de sempre.
Até que um garoto, digamos assim, da ala funk,
puxa a Ivana pro canto, dizendo com bastante
inspiração:
“Eu ti ai love iu como nunca ailoviei ninguém”.
Eu não sei como a Ivana resistiu.
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Por que? Porque
Por que gostar do que todos gostam?
Por que ir na mesma direção?
Por que envolver-se com o óbvio?
Por que amar sem emoção?
Porque aderir ao óbvio é cômodo.
Porque coincidir é lucrativo.
E se aderir não for inventivo?
Quem vai pagar a conta, então?
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A Chave Itinerante
Avião pousado. Peguei o paletó e vesti. Era do
meu manequim, compunha um conjunto harmônico
com a calça.
Já na pista, encontrei no bolso uma chave presa
a um chaveiro. Ambos desconhecidos.
O chaveiro tinha o logotipo da IBM e, durante o
vôo algumas pessoas conversaram animadamente entre
si, sempre mencionando a empresa. Era uma viagem
de negócios. Duas delas estavam ao meu lado.
Então abordei uma delas, entregando o chaveiro.
Era presumível que era propriedade de um daqueles
do grupo.
Logo a seguir, um cidadão me cutuca:
– Ei, desculpe. Mas, Você não estaria com o
meu paletó?
Fiquei assustado com aquela pergunta incomum,
mas que me fez notar que o tal paletó (colocado
sobre o meu lá naquele compartimento do avião)
era de um dos executivos da multinacional que,
ofegante, carregava o meu.
A troca aconteceu antes mesmo de chegarmos
ao terminal.
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Indiferença
Se você gostar ou se não gostar,
É bom ficar sabendo que o caminho se abre e algo
nos acolhe.
E basta arriscar.
Com inteligência e prudência. Mas arriscar,
Usando tudo. O que escolhemos e o nos escolhe.
Percorrer os trajetos abertos.
Abrir mais picadas no mato.
Retirar do mundo o que é certo.
E até o que se acha insensato.
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Amores Medidos e Comparados
Em uma revista semanal, um filho adulto justifica
o abandono da velha mãe com o argumento de que,
quando jovem, essa mulher se posicionava ao lado
do pai quando este se conflitava com os filhos.
Morto o pai, agora o filho “manda a conta” pela
imprensa, tornando público o abandono da mãe
que, antes, não o privilegiara, “escolhendo” o amor
do marido ao invés do amor do filho.
Não me reconheço autoridade para opiniões definitivas sobre nada, especialmente sobre o amor.
Mas, sempre resisti ao maniqueísmo que nos
obriga a escolha entre o “bem” e o “mal”; o “baixo”
e o “alto”; o “feio” e o “bonito”; o “dia” e a “noite”. E por aí afora.
Por que os amores devem ser medidos e comparados? Existiria uma “hierarquia” entre manifestações
desse sentimento. Um, digamos assim, top
de linha.
Ninguém “hierarquiza” aquele sentimento que
está exatamente no lado oposto ao do amor. O ódio.
Estranho isso. Nunca vi ninguém dizer que odeia
mais “A” do que “B”.
Conheço poucas situações mais constrangedoras
do que ver alguém se esforçando para explicar
amores e para medir a sua intensidade em situações
diferentes.
Serão sempre mais agradáveis as relações confortáveis
e plenas. Mas, há obstáculos que, mesmo não
convidados, chegam de “penetra” nas nossas vidas.
O que mudará sempre será a menor ou a maior
capacidade de cada um no convívio produtivo
quando presentes esses “espinhos”.
Uma rápida “olhada” lá dentro de nós mesmos
permitirá a clara identificação das diferentes manifestações
de Amor que habitam a nossa vida. Mas, é bastante complicado o estabelecimento de uma
espécie de ranking.
Será que esse cidadão, que teimou em levar para
a mídia os seus conflitos emocionais, apenas faz uso
da matemática na sua vida?
Esse inevitável “entrelaçamento” de sentimentos
sempre deixará perplexos aqueles que insistem em
ignorar o “corpo”, apenas identificando os membros
que o compõem.
Se pai e mãe não tiverem a sabedoria de conjugar
sentimentos e procedimentos, temperando a vaidade para oferecer à criança um “alicerce” emocional
capaz de suportar os confl itos, restará enfraquecida a
figura de um deles (ou de ambos) diante do filho.
A partir daí, o futuro poderá estar comprometido,
porque a pequena criatura talvez não consiga
construir “trilha” emocional segura, que precisará
percorrer durante toda a vida.
Então, talvez lhe reste a forma mesquinha de medir
e comparar sentimentos imensuráveis e incomparáveis,
justificando aqui e ali a sua incapacidade
de construir uma vida emocionalmente produtiva,
mesmo se, para isso, for obrigado a juntar certos “cacos” dos inevitáveis erros cometidos por toda a
criação humana.
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O Mar da Ásia - Lições ao Homem
Ao apagar das luzes do ano de 2004 parece que,
por algum tempo, a mãe natureza pegou a emprestada
brutalidade da sua prole humana.
Uma grande onda, nascida do deslocamento natural
de uma placa (um pedaço do planeta coberto
pelo mar) ganhou uma velocidade comparável à de
um jato (± 1.000 quilômetros por hora), chegando às praias com cerca de 5% dessa velocidade. O
sufi ciente para produzir milhares de mortes e uma
situação de calamidade geral.
Em uma espécie de escala gradual da desgraça, a
TV partiu de uma estimativa de 3.000 mortos. Rapidamente
o cálculo avançou para 10.000, 30.000,
60.000 mortes. Tantas que as autoridades locais
pararam de contar corpos quando foi atingido o
número 300 mil.
Eram ilhas com jeito de paraíso, que viraram
inferno em segundos.
Mas, se a força da natureza é indomável, não é
imprevisível.
Sabe-se que os países mais atingidos não integravam
uma comunidade científica detentora de
equipamentos e de tecnologia que prevêem esse
tipo de ocorrência.
Em “compensação”, pelo menos um desses
países domina tecnologia capaz de produzir uma
bomba atômica, aliás, a fabrica.
Talvez o que se gastou para desenvolver uma
arma com tamanha capacidade de destruição tenha
faltado para esse país aderir ao grupo detentor da
tal técnica de “advinhar” desgraças.
Será que as desgraças preferem países miseráveis
ou os países miseráveis é que atraem desgraças com
a inconseqüência de sempre?
A tragédia natural, apesar da sua gravidade, deixou
alguma coisa boa. É que não morreu sequer um
dos animais ditos irracionais. Um coelho sequer.
Também, uma pré-adolescente, ao notar o grande
refluxo da água do mar, lembrou-se de uma aula
e avisou do perigo a quem estava por perto.
Então os bichos, que o homem teima em chamar
de irracionais e as crianças, muitas vezes tidas como
inocentes, tiveram a capacidade de “advinhar” o
desastre.
Incoerência dos homens ou lição da Natureza?
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Na Sala da Justiça
Na sala da Justiça,
Há de se distribuir a própria.
Discordar, nem que eu insista.
A convivência é exigida.
E na versão original. Não se aceita cópia.
O que fazer neste lugar,
se não posso reagir?
E pra que acomodar, se não preciso harmonizar?
É densa a energia que circula,
Faz a todos afundar.
Incerteza que estimula
o ofício de pensar!
Tudo isso me assegura,
sempre haverá o imperfeito.
E a busca é sempre dura.
Quanto a isso não há jeito.
Se pouco posso mudar,
o que fazer, então?
É algo muito acima e
só tenho as minhas mãos,
mas preciso enfrentar a vida,
com alguma ternura, enfim,
buscando do lado de fora o que só está dentro de
mim.
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Caminho Traçado
Sigo o caminho traçado. Sob fogo cerrado.
Quero um atalho pra sair e um amor pra sentir.
Sorrir pra vida e não ligar pra mais nada.
Amar sem despedida, sem fugir em canalhada.
Por que se fi ngir feliz? Felicidade também é soma.
Sem dá nem toma. Nem viver por um triz.
Porque viver é premissa, pra crescer em tudo.
Tudo com justiça. Sem amor mudo.
Amor mudo que grita. Calor que a tudo agita.
Se você quer, medita. Vem chegando e habita.
Habita este peito doído. Usa esse amor escondido.
Sem carinho medido.
Cresce junto comigo.
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Degraus de uma Longa Escada
Direito acompanha a vida do homem desde a
concepção até depois da morte.
No meu caso, a coisa foi além porque também
optei pelo Direito, não somente para o exercício de
uma profi ssão, mas para me confundir com ela, a
ponto de agir diariamente para que os meus caminhos
jamais se afastem da advocacia.
Na minha vida, esse caminho que fez toda diferença,
na estrada da indigência para a dignidade; da
violência para o exercício da cidadania; da reação
despropositada (rude, até) para algo mais ponderado,
mesmo longe do ideal.
Ah! a Justiça. Tão indispensável e tão distante daqueles
que dela mais precisam. Esse distanciamento,
penso, é um dos maiores motivos para o caos social
em que estamos metidos nos tempos atuais.
Já na primeira infância participei da angústia da
minha família, na iminência de ser despejada por falta
de pagamento de aluguéis, porque o trabalho do meu
pai era impedido por uma crise de ácido úrico.
Felizmente um juiz, que aceitou conversar com uma pessoa comum, ouviu as razões do meu pai, um
pobre e enrolado autônomo que lhe pedia um prazo
maior para o pagamento dos aluguéis atrasados,
mostrando-lhe as mãos em feridas.
Então o julgador, certamente nas brechas da
burocracia cartorária, conseguiu um prazo maior
para que a dívida fosse quitada (com o produto
do intenso trabalho adicional de toda a família)
e o despejo evitado, preservando a nossa moradia
em troca de um aluguel defasado, o que era muito
porque, então, não era fácil (nem barato) se conseguir
um imóvel para alugar.
Eu observava uma discreta oposição paterna à
minha simpatia pela idéia de ser advogado, talvez
vinda da figura do Dr. Abel, um cliente do meu
pai, sério, de óculos, que sempre encomendava
ternos escuros e pagava religiosamente o combinado,
exigindo o cumprimento do prazo de
entrega, o que era tormentoso para o Seu Cleto,
na sua clássica irreverência.
Mas, já era mágica a minha ligação com o
Direito, talvez porque me descreviam o advogado
como alguém com poderes, por assim dizer,
inexplicáveis, uma espécie de bruxo moderno,
conhecedor de fórmulas secretas não acessíveis a
outros seres humanos.
O que me motivava, depois descobri, era exatamente
essa magia que permite, pelo caminho
do conhecimento e pela força da Justiça, que uma pessoa humilde possa ser considerada como alguém
com direitos, além de deveres.
Eu fazia tudo para me aproximar da advocacia,
até que consegui ser uma espécie de “estagiário”,
quando sequer cursava uma Faculdade de Direito.
Na verdade eu era um mensageiro exclusivo do
Departamento Jurídico, um certo “boy de luxo”.
Nessa condição, eu estava sempre no Fórum,
assistindo a julgamentos, enfim, no caminho que
viria a percorrer.
Daí foi um pulo para o vestibular, a faculdade,
o verdadeiro estágio e a conclusão do curso, a pósgraduação
e até o magistério.
Convivi com profissionais dos quais herdei o
que pude, até porque não são pequenas as minhas
limitações.
Nesse “time” estão Plínio Pinheiro Guimarães,
Luiz Hidalgo Barros, Luiz Eduardo Nascimento,
José Teixeira Correa, Jorge Neves de Oliveira, Raul
Tonoli, Roberto Arruda, Carlos Leduar Lopes,
Miguel Reale Jr., José Manoel e Theresa Arruda
Alvim, Donaldo Armelin e Maria Helena Diniz.
Mas, ainda saboreio, como uma das maiores
emoções da vida, a localização do meu nome na lista
de aprovados, para o então chamado “vestibular unificado”, publicada em um jornal, pendurado em um
jornaleiro da Rua da Alfândega, no Rio de Janeiro.
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Passado / Futuro
O Passado e o Futuro sempre a desafi ar.
Tão óbvio, um. Tão imprevisível, outro.
De repente, é fácil notar:
Coisas em comum, algo de louco.
Passado e Futuro. Entre os dois o momento.
Um passado pra olhar. Um futuro pra seguir.
Taí a magia, às vezes acompanhada de alegria.
Um tipo de bruxedo somado a um bocado de medo
e, quem sabe, a algum amargor do Passado,
do cotidiano duro, diariamente formado
pela força dos momentos, que ficam estocados, bem
entre o Passado e o Futuro.
Perto de lugar nenhum.
É ali, sem nada muito especial,
que se decide a vida.
Feliz ou sentida. Partilhada ou abandonada.
E momentos mal vividos somam vida desbotada.
E a tal magia do momento, que se apresenta agora,
senhora.
Acorda pra vida. Até pro sofrimento.
Não interessa, serão emoções sutis, talvez
desengonçadas,
que farão o crescimento ou a grande derrocada.
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Linha Direta... Com Deus
Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro. O
ano de 2005 mal tinha começado. Movimento
morno, próprio da época.
Uma moça bem falante, não chegava a ser bonita,
mas era, por assim dizer, vistosa, transitava com
desenvoltura, sempre falando ao celular, demonstrando
querer chamar a atenção, atrair olhares.
Depois sumiu. Só reapareceu na sala de espera
para o embarque. Falava alto, não disfarçando a
intenção de ser ouvida pelo maior número possível
de pessoas.
Ainda ao telefone (haveria realmente algum
interlocutor?), continuava ela:
– Lá na piscina do Intercontinental (um luxuoso
hotel local) eu avisei várias vezes:
“Quem oferecer flores pra Iemanjá, fica sabendo
que estará mal com Deus”
E ameaçava:
– Eu não oro pra nenhum deles.
Não bastava falar que estivera bem hospedada.
Era preciso divulgar o nome (e o padrão, naturalmente)
do hotel.
Fiquei com a sensação de que estava diante de
uma portadora da “senha” de acesso a Deus. Um
ser especial acima dos demais mortais, escolhida,
ungida pelo Criador.
Já na escada do avião, sem reduzir o tom da
fala, agora em conversa com uma acompanhante
(afinal, ali não era mais possível o uso do celular),
ela avisava com um ar preocupado, ainda como que
buscando a aprovação de quem estava por perto:
- E já avisei... ninguém deve deixar que lhe roubem
a benção que recebeu de Deus, porque aí, Deus
fica irado e tudo passa a dar errado na vida.
Torci pra ficar perto dela e acompanhar aquele “desempenho” durante o vôo. Mas não consegui.
Já em São Paulo, ela continuava com a sua “pregação”,
agora acompanhada de perto de mais um “ouvinte acidental”, certamente mais interessado
no que via do que no que ouvia.
E aí começaram as minhas silenciosas perguntas
sem respostas:
Que “Deus” é esse que:
– nomeia “procuradores” na Terra, a quem franquia “senhas de acesso”, cujas orações são dotadas de poder, “especialmente diferenciado” pra dizer o
que é certo e o que é errado e até pra patrulhar a
fé alheia?
– premia “certas pessoas” com “certas bênçãos”
que podem ser roubadas e, então, “usadas” pelo
ladrão?
– fica “irado” e castiga com desgraça aquele “descuidado”
que se deixa enganar por alguém tão mais
esperto a ponto de lhe roubar a tal benção?
O que estão fazendo com a fonte de perfeição que
alguns chamam de Grande Arquiteto do Universo?
O que querem? O que pretendem?
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Em Paixão não há Medida
A busca da reta verdade
passa por caminhos tortos.
Esbarrando na insanidade, na busca do equilíbrio,
vivendo das marés, muito longe dos portos.
O barco em alto mar.
A âncora lá no fundo.
Só a vida a movimentar, enfim,
todo o resto do mundo.
Se eu não me inquietar,
vou morrer de solidão.
É sair a procurar,
pela tal desilusão.
Se certeza não se acha,
pra que então procurar?
Se ela é tão chata,
mas pode mesmo até pode matar?
É da dúvida que eu tiro a vida,
e até assumo a dívida.
A viagem continua
e o fi m não se situa.
Em paixão não há medida.
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Tempos de Criança
Há histórias e estórias de criança que nada têm
de infantis.
Eu pouco tinha passado de 12 anos e já trabalhava
no comércio. Aliás, a Previdência Social
nunca acreditou nisso na hora de me “premiar” com
aqueles proventos espetaculares.
Ficava eu ali na porta, esperando pelo freguês
(sim, era assim que, na época, se chamava o cliente,
o consumidor). Enquanto isso, “fiscalizava” o movimento
da rua. Da vida alheia, melhor dizendo.
Então, uma moça bonita, morena, cheirosa
sempre aparecia no ponto de ônibus, mas sempre
embarcava em carros de passeio. A cada dia um
diferente. Guiado por pessoas diferentes. Às vezes
a cena se repetida no mesmo dia.
Lá ia ela para mais um passeio, deixando a cabeça
do moleque aquecida pela fantasia.
Com suas roupas bonitas, a tal moça sobressaía
naquela comunidade pobre.
Não eram poucos os comentários sobre a espécie
de trabalho dela. Mas o certo é que ela era admirada
pelos homens (especialmente pelos garotos),enquanto que as mulheres, com certa dose de
ironia, especulavam sobre as suas práticas. Mas,
ninguém tinha coragem de dizer algo de positivo
sobre ela, a não ser quanto aos seus dotes físicos
especiais.
Fico imaginando aquela moça. Hoje, claro, uma
senhora. Talvez respeitável avó.
Mas, se a sua juventude, as suas cores, o seu
perfume e a sua ousadia de então pudessem, em um
passe de mágica, ser trazidos para os dias atuais, ela
certamente ocuparia um lugar bem mais nobre na
escala social e na mídia.
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Será Sempre Justo o Exame da Ordem? (*)
Pela Lei, apesar da conclusão do curso bacharelado
de Direito, ninguém será advogado no Brasil
sem a aprovação no chamado “Exame da Ordem”,
produto da legítima inquietude da Ordem dos
Advogados do Brasil com o baixo nível dos nossos
cursos de Direito.
Sem essa prática a situação estaria pior, até porque
as nossas autoridades constituídas ainda não
se ocuparam de melhorar o nível de ensino de toda
a população. É que o enfrentamento das causas
do problema é muito “trabalhoso”. Então, apenas
se cuida dos efeitos. Aliás, como é da nossa triste
tradição “tapa-buracos”.
Hoje, com raríssimas exceções, as nossas escolas
públicas de nível fundamental e médio ensinam
pouco e mal. Diferente do que acontece em boa
parte das escolas particulares, estas para alguns.
Já as universidades públicas (também para “alguns”)
quase sempre conseguem manter um bom
padrão. Ao contrário do que acontece com a grande
maioria das instituições particulares de ensino superior, para onde vão os menos afortunados,
por assim dizer, lá permanecendo segregados até
a conclusão do curso, em estruturas quase sempre
descomprometidas com a qualidade do que estão
ensinando.
As universidades consideradas de “primeira
linha” (públicas, em sua maioria) estão lotadas
de pessoas de bom poder aquisitivo. E nada há
de errado nisso. Mas, a todos deveria ser dada a
oportunidade de ingresso nesses “olimpos”, pela
via do conhecimento.
Concluído o curso de bacharelado em Direito,
esse contingente passa a freqüentar assiduamente
a lista de reprovados no Exame da Ordem dos
Advogados do Brasil, engrossando as estatísticas
de sempre.
Como ainda não se descobriu a “cura” para essa
grave doença chamada descaso do Estado (a educação
e a saúde são as duas chagas mais conhecidas
desse mal), legitimamente a sociedade civil reage,
criando as suas defesas, como fez a Ordem dos
Advogados, com o seu exame de “admissão”.
Enquanto isso, com justiça, algumas instituições
de ensino, públicas, em sua maioria, continuam se
destacando no ranking de aprovação dos Exames
da OAB.
Mas, vem por aí um nivelamento “por baixo” com o propalado “sistema de cotas”, pelo qual o
Estado, reconhecendo a defi ciência do ensino fundamental
e médio que ministra para o segmento
mais pobre e numeroso da população, oferece uma
espécie de ”consolo”, abrindo certas “janelas” de
acesso para a universidade pública, escancarando
as carências de formação dessa massa, que ficará
exposta a constrangimentos de toda ordem, por
haver entrado na universidade não pela conquista,
mas por uma odiosa esmola chamada “Sistema de
Cotas”, que lhe aviltará ainda mais.
Voltando ao nosso tema, concluído o curso de
Direito e experimentado o primeiro revés no Exame
da Ordem, aqueles mesmos desavisados continuarão
desembolsando boa parte dos seus minguados
orçamentos nas mensalidades dos chamados “cursos
preparatórios”.
A realidade é mesmo caótica. Mas, também é
indiscutível o sofrimento desses bacharéis, a maior
parte marcada, desde a infância, pela iniqüidade.
Tenho tentado contribuir, dentro das minhas
limitações, com alguns próximos que estão às voltas
com o “Exame da Ordem”, seja em estudos de última hora, seja depois do exame.
Já encontrei questões impropriamente formuladas;
casos em que a resposta certa foi considerada
errada ou vice-versa. Nessas situações, apenas
recentemente, e de forma tímida, a OAB, Secção São Paulo, tem admitido o convívio, não raro em
Direito, de duas alternativas certas no mesmo rol.
Então, costumo orientar o “desesperado” candidato
a apresentar recurso à Comissão que cuida
do certame.
De uma forma geral, o pessoal da Comissão
de Exame da Ordem dos Advogados expressa, de
imediato, a certeza do insucesso coletivo de todos
os recursos. É fato que já aconteceu rejeição generalizada
de até cinco mil pedidos de revisão.
Fica a impressão de que esses recursos são examinados
pelos mesmos profi ssionais que, antes,
elaboraram as questões. Pode ser essa a causa da
sistemática rejeição de recursos, até mesmo pelo
compreensível instinto de preservação das convicções
projetadas na redação da prova.
Em uma dessas oportunidades, levei o caso à
Justiça, apontando o que entendia como equivocado
na formulação de algumas questões e/ou na
elaboração do gabarito.
E o Judiciário concedeu a liminar para que o
candidato fosse admitido na segunda fase do concurso.
Depois, a sentença julgou procedente a ação,
aumentando a minha dúvida quanto à completa
justiça do chamado “Exame da Ordem”.
Não se pode exigir a perfeição em evento dessa
dimensão, apesar de repetido ao longo dos anos.
Mas também é incômodo o convívio pacífico com
fatos como esse.
Estou seguro de que a OAB, que tanto lutou – e luta – pelo Estado de Direito neste País, não
fomenta sistematicamente injustiças.
Então, sejam quais forem as iniciativas para a
melhoria no nível do ensino jurídico no Brasil,
nada justificará que a Ordem dos Advogados do
Brasil não diligencie para evitar impropriedades
nesse certame tão traumático para quem, ao longo
do tempo, sempre faltaram oportunidades.
Um caminho seria a formação de um grupo
revisor de gabaritos, com profi ssionais não participantes
do trabalho de elaboração de provas. A
revisão aconteceria imediatamente após cada exame,
antes da divulgação dos gabaritos, que até poderiam
ser modifi cados se alguma impropriedade fosse encontrada,
naturalmente influenciando o processo
de correção, antes mesmo dos recursos, que seriam
reduzidos, o mesmo acontecendo com a possibilidade
de alguém experimentar o gosto amargo da
injustiça, no ambiente da Ordem dos Advogados.
Não se pode esquecer de que o exame é organizado
em duas fases. A primeira de múltipla escolha
e a segunda de questões descritivas. Se o candidato,
aprovado na primeira fase, não for bem na segunda,
voltará à chamada “estaca zero”, ou seja, será obrigado a refazer a primeira fase.
Tem-se falado no aproveitamento dessa primeira
fase, situação em que o candidato apenas passaria a
concentrar esforços na segunda etapa se, uma vez
já ultrapassa a primeira.
Seja qualquer for o motivo desse impróprio
tratamento de um grave problema social que, sem
dúvida, não foi criado pela Ordem dos Advogados,
um certo alívio poderia vir de uma dose maior de
sensibilidade.
Essas e outras distorções estão exigindo um
amplo debate. O que não se pode admitir é o
conformismo.
* ADAPTAÇÃO DE MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL
“TRIBUNA DO DIREITO” SP, FEVEREIRO DE 2005
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Involução
É como estar sem querer, nascer sem viver.
É como amar sem prazer, viver pra morrer.
É como querer sem saber. Mirar e tremer.
É como matar sem sofrer. Beber e esquecer.
É assim, de qualquer jeito. Pra que fazer direito?
Fazer direito a vida. Vivê-la menos sofrida.
Jamais fechar a saída.
Vida simples, sem rompantes.
O bicho homem, com nada de simples,
é que tem provado estar, sempre,
bem pior do que antes.
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Nos Outros está o Erro
Há pouco mais de dois anos, a esperança venceu
o medo. Hoje, a realidade está vencendo a esperança.
De todos os lados aparecem denúncias e mais
denúncias. Muitas confirmadas.
É evidente que, em uma sociedade pluralista,
haverá sempre os que gostam e os que não gostam.
Mas, o que impressionará mais: aqueles que, hoje,
desqualificam denúncias e, ontem, se empenhavam
na investigação de qualquer fumaça de erro ou
aqueles que, hoje, gritam por apurações e, ontem,
eram especialistas em “operação-abafa”?
Tudo deixa, para os cidadãos comuns, a amarga
certeza de que, se não são novas as tristes práticas
que estão sendo descobertas, a camarilha que foi
pega com a mão na “massa” não tem o direito de
justificar os seus crimes com ideologia ou com mazelas
do passado.
O que dói é que os mais recentes salteadores do
dinheiro público eram como puritanos que, de um
lado da Praça Brasil, viviam praguejando o bordel
que funcionava do outro lado.
Até o dia em que essas pessoas, ditas ”do bem”, atravessaram a praça, entraram no tal prostíbulo.
Rapidamente gostaram das práticas de lá, sendo
muito bem aceitos na nova “casa”.
Agora, flagrados, ao invés de fazer uma certa
faxina moral, própria daqueles que, mesmo tendo
errado, não têm compromisso com erros, os
protagonistas da mais recente “festa dos horrores”
preferem “varrer o lixo para debaixo do tapete”,
adotando um “olhar de paisagem” diante de tudo
o que está acontecendo, comodamente debitando
os seus erros a uma “elite” só enxergada de dentro
pra fora. Nunca de fora pra dentro.
Na verdade, esses desprezíveis personagens
estão criando um caldo de cultura para que certos
vermes, vindos das fossas mais mal-cheirosas do
atraso, comecem a fomentar movimentos para
pretenso “restabelecimento das instituições” e de
fantasmagóricas “juntas governativas”.
Como se essa loucura garantisse que outros criminosos
não mais venham a aportar nos governos
que administram o dinheiro público. Farto, para
alguns, e minguado, para a maioria.
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Sonhar
“Nada supera a sensação de sonhar”
Nostradamus
Sonhar.
Vivência sentida, bem ao lado da vida.
Posso até flutuar.
Sonhar pra você, dono da verdade,
só pra ter objetivo, já que em nada acha motivo
não há jeito de amar.
Sonhar.
A imaginação não tem limites.
Aproximação sem convites.
Sei, posso. É só tentar.
Sonhar. Pobres e ricos,
Prazer igual. Viver em alto astral
Esse momento bendito
de se aprimorar.
Sonhar.
Vivenciar meios, não viver pelos fins.
A natureza tem seios, que alimentam a todos, até
nos confins.
Sonhar.
Por que tanto medo da aproximação. Da
descoberta.
Você sabe que, na certa,
é preciso partilhar.
Sonhar. Aonde quer que estejamos,
Já ensinou Nostradamus,
Nada supera a sensação, não tem jeito não,
a sensação de sonhar.
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Negro (Tributo a toda uma Raça)
Hoje é centenária a tua liberdade
Liberdade real? Não sei!
Hoje é centenária a tua ambigüidade
Liberdade formal, na lei
Negro pisado, negro doído
Povo enganado, povo sofrido
Vejo em você o retrato de toda a minha gente
Horizontes deprimentes
Um dia, profi ssão esperança
Mas, e a dignidade, Nunca alcança?
Pelo aniversário da tua liberdade, mesmo que
formal, parabéns
Pela inconsciência das tuas dificuldades, vem o mal
e os desdéns
Negro energia
Negro folia
Não é longe o tempo
Terás mais que um dia
Mais que um dia em cem anos
Adeus aos desenganos
Desfazimento de nós, será o jeito
Vocês não fi carão sós, ante o preconceito
Pré-conceito maltrata
Preconceito que mata
Por que não se tem pudor
Do assassinato do Amor?
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Mercado Aberto / Lei da Gravidade
Quem vai querer comprar uma alma?
Quem vai, sem tremer, matar com calma?
São muitos! Façam fila senhores!
Um de cada vez! É o leilão dos horrores!
São os horrores da fome que mata.
Nem o tremor da vergonha aplaca.
E pra onde vai essa legião de famintos?
Quem dará o último empurrão? Logo sinto!
Sabe o que eu acho? Não deve dar dó.
Meio caminho andado. É assim, oh!
Sem alarde, empurrá-los pela ribanceira da miséria.
Esperar o efeito da lei da gravidade.
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Alegria, Alegria
No Brasil, a alegria coletiva será sempre com
data marcada. Reconhecimento espontâneo? Nem
pensar.
Raro algo que se vê no carnaval, passagem de
ano ou quando vencemos uma Copa do Mundo.
Fora dos mitos produzidos por certa mídia, não é
comum que algum “brazuca” seja espontaneamente
reconhecido por sua alegria de viver.
Ainda assim, o mundo todo olha o brasileiro
comum como um povo alegre, que canta, dança e
festeja, apesar da miséria humana que o massacra,
pela via da interminável injustiça.
Em verdade, não temos tido grandes motivos
para festejos. Mas, não precisamos exagerar. Temos,
realmente, motivos de orgulho, que são sistematicamente
ignorados pela maioria do nosso povo.
O álcool, uma respeitável fonte de energia, renovável
e alternativa ao petróleo, nos privilegia diante
de outros povos.
Livre de confl itos étnicos e religiosos, os nossos
problemas de segurança até parecem pequenos diante
dos dramas do terrorismo vividos em outros Países.
Parece paradoxal, mas o Brasil tem feito bonito
no combate a uma grave doença. Recentemente,
durante um congresso médico na Espanha, ativistas
locais exigiam a substituição das práticas locais por
aquelas adotadas no Brasil.
É que temos um dos mais aprimorados sistemas
de combate à Aids do mundo.
Quando li isso, fi quei, por assim dizer, com
um gostinho especial de viver em um país que, em
alguma “modalidade”, se destaca positivamente, a
ponto de despertar inveja mundo afora.
Mas, ao elogio barato, muitos preferem o escárnio.
Não gostamos de reconhecer qualidades nos
nossos patrícios ou em algo que simplesmente nos
lembre Brasil. Mas, quando tratamos de qualquer
feito dos outros países, especialmente aqueles de
PIB mais robusto do que o nosso, logo vem o tal
complexo de inferioridade: ISSO É COISA DE
PRIMEIRO MUNDO.
Esquisita essa atração do brasileiro pela bajulação
barata e, por outro lado, essa aversão pelo justo
reconhecimento.
O privilégio do aplauso parece estar reservado
aos de outras terras, até porque os nossos avós nos
ensinaram que “santo de casa não faz milagre”.
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Lucidez / Loucura
Por todo o tempo enxerguei algo de lúcido na
loucura.
Por todo o tempo exigi algo de louco na lucidez.
Era meu intento ir além dos limites da objetividade.
Não é meu o invento da busca de estações além da
realidade.
Mas, quando se vê seres, ditos humanos, a espancar
indefesos,
sejam inocentes ou culpados.
A matar gente, com certa dose de prazer, que
horror!
Dá uma dúvida danada:
Será que esses mundanos
são gente ou desprezível matéria
vivificada por “descuido” do Criador?
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A Saúde da Pesquisa
Uma revista especializada em ciência publicou
um estudo decretando que a homeopatia tem o
mesmo efeito terapêutico de uma prosaica mistura
de água com açúcar, qual seja: nenhum.
Seria o chamado efeito placebo. Quando se
quer saber se um remédio funciona mesmo, os
cientistas selecionam um grupo pessoas portadoras
de determinada enfermidade. Uma parte desse
grupo é medicada com o medicamento estudado,
a outra, com um remédio de “mentirinha”, farinha
com água, normalmente. Um placebo, enfim. Os
comprimidos são iguais e nenhum dos pacientes
sabe o que está tomando.
Ao final da pesquisa, o grupo é avaliado e algumas
das pessoas melhoram, apesar de haverem tomado “remédio” que não é remédio.
A conclusão é que, pensando que está sendo
medicado, o paciente pode ser emocionalmente
influenciado de uma tal maneira que se convença
da cura, que pode acontecer por um mecanismo da
mente ainda não totalmente conhecido.
Para o tal estudo, o mesmo aconteceria com a homeopatia.
E não tenho autoridade para falar nada a favor
ou contra essa conclusão.
Mas, na minha condição de consumidor, eu
não tenho meios de confiar nesses estudos, que ora
concluem que fazem bem, ora que fazem mal: chocolate,
amendoim, whisky, vinho, sono, exercícios,
sexo, de mais ou de menos... Ufa!
Agora, a “bola da vez” é a homeopatia.
É muita gente a falar bem e a falar mal. E nós,
os pobres mortais, ficamos na mesma.
Eu só queria saber:
– Quanto tempo durará a “conclusão definitiva”
de mais esse estudo?
– Como pode ser emocionalmente influenciado
um recém-nascido ou um cachorro, que melhoram
quando medicados com a tal “água com açúcar”?
– A quem aproveita um debate desses?
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Assassinato
Terra Amiga
Alimenta e dá a Vida
Guarda a dor da morte
És uma mãe sem sorte
Teus fi lhos te desrespeitam
Teus frutos te espreitam
São venenos todo dia
Até quando? Quem diria...
Incrível mãe, que capacidade de perdoar
Até quando, com insensibilidade vão te envenenar?
Eu fi co aqui pensando
Eu sei que choras. Até quando?
Mãe terra
Terra mãe amiga, torturada, queimada
Se o homem sempre erra
Quando serás poupada?
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O Estupro da Inocência
Cidade de São Paulo, sexta-feira, final de expediente.
Na praça Dom José Gaspar rodas de samba em
quase todos os bares. Muita alegria para comemorar
o fim de mais uma semana de trabalho. Hora de
preencher o coração com amor ou com um simples
aconchego. Afinal, ninguém é de ferro.
Mas, bem na porta dessas “usinas de alegria”
estava uma dura realidade: Crianças (não poucas)
maltrapilhas cheiravam cola. Sorrisos torpes de
angústia eram expressos naqueles rostinhos, muitos
com menos de dez anos de idade.
Eles brincavam entre si, ostentando a miséria das
suas vidas. Alguns até com brinquedos quebrados.
Outros, irritavam adultos, tentando deles receber
algum dinheiro que pudesse alimentar a miséria da
droga que já tomou conta de suas curtas vidas.
É complicado o convívio natural com crianças,
mal saídas das fraudas, cheirando cola, roubando,
dormindo nas ruas.
Estudos provam que, em São Paulo, não chega a três mil o número de crianças em real situação
de abandono.
Algo pode ser feito pelas autoridades e por cada
um de nós.
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Planeta Azul
O meu planeta é azul
Muitos já viram
É bonito!
É bendito!
Poucos assim sentiram
O meu planeta é azul
Por que o maltratam?
É só um retiro?
Então eu sugiro:
Por que não o respeitam?
O meu planeta é azul
É preciso explorar
É preciso integrar
Mas, pra que destruir?
Será esse o caminho?
Eu vou insistir:
O meu planeta é azul
Opção poluir
Árvores extinguir
Pra que bichos por aqui?
Assim não dá não
E tome civilização!
O meu planeta é azul
O que você quer, meu irmão?
Quanta insensibilidade
Aonde nos levará esse turbilhão?
Quais as nossas possibilidades?
O meu planeta é azul
Poluir o ar
queimar as matas
os rios e o mar
A tudo arrasar?
O meu planeta é azul
Sociedade de consumo
a tudo descarta
A natureza é instrumento, é insumo
É o homem quem mata
O meu planeta era azul
Ao homem assassino, a morte
Aos demais, a mesma sorte
Destruidor é o homem sem sentido
Só se tem degradação
É o mundo destruído
O meu planeta era ao Sul...
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Enfrentamentos
Há um partido político no poder, filho de um
sonho de décadas.
Até mesmo àqueles que lhe torciam o nariz, esse
partido se impôs como o que parecia ser a única
estrutura partidária verdadeira do Brasil.
A chegada ao poder produziu aquela maldita
certeza de que tudo pode aquele que está no topo,
inclusive usar a mentira para enganar incautos.
Esse fenômeno produziu um monstro, irmão
daquela outra certeza, a de que os fins justificam
os meios.
E a história da humanidade prova exatamente o
contrário. Por mais nobres que sejam os fins, ferramentas
sujas acabarão sujando a obra.
Do outro lado dessa miséria social estão outros
partidos, agora fora do poder, que já começaram
a apontar suas soluções mágicas, como se não fossem
compostos de homens, todos sujeitos a essa
doença que licencia os seus “enfermos” à prática de
crimes, sempre sob o manto (falso ou verdadeiro)
do grande ideal.
Toda essa confusão já chega a inspirar alguns iluminados, de fora e, até, de dentro do poder, a
soluções antidemocráticas.
Esses enfrentamentos precisam ser feitos dentro
de cada um de nós, ou não teremos futuro.
Não terá chegado a hora de criarmos juízo e
cuidado com essa nossa tenra democracia?
Afinal, tudo está sendo descoberto porque estamos
em um ambiente livre.
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Felicidade nos Meios
Remuneração por si só
tributo sem dó
persistência é dádiva
indiferença é mórbida
Felicidade
Procurando? Então vamos saindo
Ignorando? Então vamos fugindo
Fingir que não a quer
Será que é sincero?
Desespero é descobrir a impossibilidade do que se
procura. Gente aflita
Crescimento é persistir na remota possibilidade da
doçura. Coisa mais bonita
Se é impossível o que se procura
Apenas atingível a amargura
Por que não buscar, na essência,
A felicidade da persistência?
Persistência, mas disfarçada
Como quem não quer nada
Não precisa pressa
Pra se chegar à sedução
A sedução do caminho
Esgarçando tecidos
Assim, devagarinho.
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Circo dos Horrores
Ouvi no rádio que uma pesquisadora está estudando
o comportamento de pessoas que jogam
lixo pela janela de seus carros (luxuosos, muitas
vezes), varrem lixo para as ruas, danificam praças
e outros equipamentos públicos, corrompem, são
corrompidos. Enfim, poluem o meio-ambiente e
as suas mentes.
A estudiosa está confusa com o que parece ser um
traço em comum entre as pessoas analisadas. Notou
uma espécie de desprezo por tudo aquilo que escapa
das vistas no primeiro momento. Como se o mundo
se limitasse ao meu carro; minha casa; ambiente em
que estou agora, às pessoas mais próximas.
Os fatos políticos que enchem o noticiário traduzem
um sentimento comum: Egoísmo. Essa falta de
generosidade se expressa, inclusive, quando votamos
de acordo com os nossos interesses exclusivamente
pessoais. Depois, da mesma forma, aqueles que elegemos
também atuarão em benéfico próprio. E tudo
continuará igual.
Há um certo sentimento coletivo de desprezo
pelo outro, inclusive quando estão em jogo condições
mínimas de sobrevivência humana.
Cada um está descartando o que não lhe interessa
naquele momento e lançando mão, mesmo de
forma ilegal, daquilo que lhe atrai. Afinal, interessa
apenas o imediato bem-estar pessoal. É um salve-se
quem puder!
Já vai longe o tempo em que a felicidade pessoal
convivia com a derrocada do outro.
Não somos mais uma ilha de paz em meio a um
mundo conturbado, como quiseram ufanistas do
passado. Para preservar os seus próprios interesses,
eles propagavam que o Brasil era um paraíso cercado
por tudo o que acontecia de ruim no resto
do mundo.
O nosso país era cantado em verso e prosa como
um lugar abençoado, de natureza pródiga e com
um povo alegre e cordial.
Hoje, a natureza tem “mandado a conta” das
agressões sofridas e considerável parte da nossa
população está revoltada com as injustiças que sofrem
desde que vêm ao mundo, situação que lhes
nega sistematicamente oportunidades mínimas de
vida digna.
Nesse ambiente, brotam os oportunistas de sempre,
apresentando o assistencialismo, a concessão
de direitos que deveriam ser objeto de conquista
ou acenando com uma “vaga no céu”, como uma
forma de compensação pela vida miserável que, na maioria das vezes, lhes é imposta pela iniqüidade.
E, pior, boa parte desse contingente de desesperados
não se organizou para conquistar de direitos.
Enveredou pelo caminho do crime ou concordou
em se beneficiar dele, produzindo um dos mais
graves dramas desse início de século XXI.
Se olharmos para fora das nossas fronteiras,
a situação não será diferente. Só que, em alguns
lugares, essa explosão de violência tem o sinistro
nome de terrorismo.
Os tempos atuais provam que a fartura cercada
de miséria tem data marcada para morrer. Se for
preservada a prática de se “olhar para o próprio
umbigo”, apenas a miséria sobreviverá.
Nesse caos, não haverá vencedores. Ninguém
será poupado.
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Ter Razão ou Ser Feliz?
Sabe aquela sensação estranha de que algo deve
ser feito pela relação, mas que esta tarefa é exclusiva
do outro?
A omissão será sempre mais cômoda. Não faz
barulho. É sutil, mas nada resolve e tudo vai se deteriorando...
lenta e elegantemente. Nesse marasmo
não haverá inocentes.
Para que problemas sejam resolvidos, ainda não
se descobriu nada melhor que a sincera divisão de
responsabilidades, seguida do compromisso de
esforços mútuos.
É que o quadro se complica se o “barco” de um
dos protagonistas nunca sai do “cais”. Fica sempre
lá, limpinho, livre das tempestades e dos piratas, mas
sem cumprir o “destino das embarcações”, como
diria o Ivan Lins.
Enquanto isso, o outro “barco” que vai para o
mar de qualquer maneira, fica sujo e meio arrebentado
pelas tempestades. Mesmo atrapalhado,
continuará navegando, correndo riscos, acertando
e errando na escolha dos “portos”. Enfim, vivendo
intensamente, mas da forma mais arriscada.
Sempre existirá a opção entre se lançar ao mar
de forma precipitada e permanecer comodamente
no ancoradouro, reclamando da falta de vento, que
impossibilitará a navegação, ou da tempestade, que
poderá danifi car o barco.
De pouco adiantará repetir teorias como no
exemplo da médica elegante e bem formada, cabelo
sempre bem penteado, que permanece o tempo
todo dentro de uma UTI, apenas reclamando e
se isentando elegantemente pela falta de recursos
materiais maiores. Enquanto o paciente agoniza.
Enfim, para não se correr os riscos do desgaste,
muitas vezes se prefere uma enganosa paz, que
gradualmente acaba com sentimentos bons. É
um assassinato assim disfarçado, discreto, com
pequenas doses de veneno. Silencioso. Mas que,
igualmente, produz cadáver.
Se, nas pessoas, o açodamento deixa arranhões,
hematomas e até fraturas, a omissão produz obsessões
e rancores, que resistem por séculos até.
Um dos maiores inimigos das relações humanas,
emocionais ou não, é a disputa pelo “troféu” da
razão, que só contribui para alimentar a vaidade
de uma delas. Ou de ambas. Jamais para que elas
se entendam.
Afi nal, a postura de “Professor de Deus” em nada
ajuda na solução de conflitos.
Quando se pauta a vida por uma espécie de “contabilidade”
emocional, aquele que menos investe é
o que mais cobra, deixando ao outro a incômoda
situação do descontrolado correntista do cheque
especial, que vê aumentar o seu ”saldo devedor” a
cada da dia, seja qual for a carga de esforços que se
propõe a investir na relação.
Entre ter razão e ser feliz, seria melhor que ambas
as partes renunciassem à razão absoluta, dando
chances à felicidade, sem lugar para vencedores e
vencidos.
Mas, além de trabalhosa, essa soma de esforços
também exige paciência e humildade.
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Cantiga de Criança. De criança?
Serra, serra, serrador
Serra madeira pro seu senhor
Serra, serra, serrador
Quantas toras já serrou?
Serra, serra, serrador
Quantas árvores já matou?
Serra, serra, serrador
A natureza sente dor
Serra, serra, serrador
Acabar com a vida em flor
Serra, serra, serrador
Ô trabalho aterrador
Serra, serra, serrador
Até quando esse torpor?
Serra, serra, serrador
Alguma coisa já plantou?
Serra, serra, serrador
Cadeia pro seu senhor
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E Precisa Mais?
“... é absurda a idéia que entende que
alguém, quanto mais vive, mais velho fica.
Para que alguém, quanto mais vivesse mais
velho se tornasse, teríamos que ter nascido
prontos e irmos nos gastando.
Ora, isso acontece com carros, fogões e sapatos.
Com humanos e humanas, não. Nascemos
não prontos e vamos nos fazendo. Eu, neste
momento, sou o mais novo de mim, minha
mais nova edição “revista e ampliada”.
Se o critério para a velhice é o tempo, o mais
velho de mim está no passado ...”
(Mário Sérgio Cortella, A Escola e o
Conhecimento, Cortez Editora, 6a edição,
S.Paulo, SP, 2002).
O contato com um texto como o daí de cima,
apenas nos deixa a pergunta: E precisa mais?
Nem a ternura que um recém-nascido inspira é suficiente para desmentir que aquele bebê é uma
obra inacabada.
Aliás, como disse o Nizan Guanaes, a natureza
libera para o nosso convívio um ser sem dentes, com
a caixa craniana aberta, apenas coberta por uma fina
pele. Este ser faz cocô e xixi sem controle e berra
quando tem fome porque não sabe falar.
Ainda assim, esse produto é espetacular e encanta.
Segundo esse publicitário, essa prática da natureza
nos absolve da angústia de não conseguirmos
fazer nada perfeito.
Isso não significa que devamos nos contentar
com o que está aí ou com os nossos limites.
A necessidade de nos esforçarmos começa lá
na nossa gestação. A própria natureza nos exige
esforços diários de melhoria, não incentivando
compromissos com o erro. As imperfeições estarão
sempre por perto porque são inevitáveis para o
processo de burilamento humano.
Não se conhece jóia que não tenha passado
por lapidação, trabalho no qual a aspereza é indispensável.
Realmente, a caminhada humana passa bem
longe da perfeição.
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Inversão de Valores
“As pessoas estão esperando que o casamento
dê certo para que sejam felizes, sem
compreender que é preciso que sejam felizes
para que o casamento dê certo.
(Richard Simonetti).
Uma vez, em um grupo do qual participava, o
condutor da reunião pediu que cada um escrevesse
sobre si.
Olhei pra dentro de mim e sinceramente vi muitos
defeitos. Preferi escrever sobre eles, até porque,
naquele ambiente, estávamos empenhados na busca
de uma autêntica reforma íntima.
Nessa busca, éramos desaconselhados a fazer
comparações com a média da realidade que nos cerca
no mundo (infelizmente bem distante do razoável)
ou nunca conseguiríamos melhorar o nosso padrão. É só olhar para as desigualdades sociais e para o que
o homem está fazendo com a natureza.
Então, fiquei surpreso com a quantidade de elogios
que a maioria das pessoas despejou sobre si.
Por coincidência, fui um dos últimos a ler a tal
auto-avaliação. E ela não foi das melhores. De certa
forma, as pessoas se divertiram com a forma bem humorada pela qual tratei as minhas mazelas.
Mas, não deixei de estranhar que, naquele grupo
comprometido com um trabalho de aprimoramento,
as pessoas tivessem sido tão generosas consigo
mesmas.
Desnecessário dizer que muito pouco tempo depois
fui “desconvidado” a participar dos próximos
trabalhos do grupo.
De tudo, a certeza de que somos bastante generosos
com nossos próprios direitos ou com aquilo
que pensamos sê-lo. Mas, somos contidos quando
somos chamados a dar a nossa cota de colaboração
para a melhoria de algo, mesmo quando se trata do
progresso moral ou da preservação de uma relação
importante para a vida.
Afinal, o defeito estará sempre no outro.
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Violência Banalizada
A pior violência é o acostumamendo com a
violência.
(Arnaldo Jabor)
Impressiona a naturalidade com que certas sociedades
convivem com atrocidades.
A chamada máquina humana foi tão bem projetada
que parece ter sido dotada de algum mecanismo
que a entorpece quando o sujeito é submetido a
situações extremas, degradantes.
Cenas de dois filmes me vêm à cabeça:
Em um deles, bem antigo, de nome Corações
e Mentes, se eu não estiver enganado, quando os
americanos se retiravam da capital vietnamita,
então Hanói, ao ver que não conseguiria embarcar
em um dos últimos helicópteros utilizados para
desocupação da Embaixada Americana, uma mãe
oferecia naturalmente o seu filho a quem já estava
a bordo, repetindo insistentemente: “Pegue o meu
bebê, pegue o meu bebê”. Era a renúncia do convívio
com o filho na esperança de que pelo menos
a criança fosse poupada.
Já em 2005, no filme Hotel Ruanda, duas etnias
(ambas negras) antes artifi cialmente concebidas pelos belgas que, para preservar a colonização, fomentaram
o preconceito entre elas. Eram os tutsis
e os hutus.
De hostilidade em hostilidade ficou pronto o
cenário para uma das maiores carnificinas de que
se tem notícia no mundo moderno, a partir do fanatismo
alimentado por mercenários de um odioso
comércio de armas.
Então, em plena matança, os governantes de boa
parte do mundo viraram as costas para a tragédia,
tratando, com indiferença e dentro da “normalidade”
dos interesses comerciais, uma das maiores tragédias
da história da humanidade que, emblematicamente,
resultou na “cobertura”, por corpos humanos, do
grande lago da capital do país.
Já passa da hora de começarmos a nos inquietar
com a violência.
E o que vemos são os demagogos de plantão
a vociferar apenas contra uma das suas formas, a
violência urbana que, sem dúvida, deve ser combatida
por todos os flancos, inclusive o policial.
Mas, também inaceitável o convívio com escolas
públicas que não ensinam, hospitais públicos que
não tratam, justiça que não produz justiça, polícia
e políticos que não dão exemplos de integridade,
trabalhadores que não trabalham, empregadores
que exploram e toda a gama de inconseqüentes,
inclusive aqueles que poluem.
Todo esse caldo de cultura entorpece as pessoas,
que passam a encarar o mal como normal, ao invés
de rejeitá-lo teimosamente, até que esses agentes das
trevas do atraso social desistam do pior e permitam
que o mundo seja mais justo, especialmente em
oportunidades iguais para todos.
A banalização da violência é fruto da alienação
que escraviza a maioria pela demagogia (inclusive
do Estado), sempre a serviço dos mesmos segmentos
que produzem a guerra e a fome.
Topo da Pagina
País Cotidiano (Ou Apatia e Desengano)
País que foi a beleza pela beleza
e a angústia aumenta
País que é a pobreza pela pobreza
E como esse povo agüenta?
Assusta, eu juro
De repente, eu paro
Tudo é caro. Preço
Tudo é raro. Apreço
Esse povo não é mais puro
Mas, nunca vai ficar maduro?
Já foi do futebol a terra
Hoje um besteirol encerra
Opção pela aparência
Não saber o que é consciência
Opção pela opulência
A Caminho da falência?
O que aconteceu?
Esse povo bem que merece
Coletivo ambíguo
Indefi nido indivíduo
Quem perdeu?
Não interessa
Cada um quer salvar o seu
E com pressa
Apatia geral
Agonia em espiral
Se está doente o organismo
Por que não remediá-lo
Vamos ao cinismo?
Esperar o cataclismo
Cura, Remédio? É melhor adiá-los
Oh! Tédio
Avante, senhores vassalos
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Trinta Anos Esperando
Estava vendo os shows que o Paul McCartney
fez na Rússia, em 2003. Além da boa música que
ele faz desde os Beatles, estava muito interessado
na reação da sociedade russa, diante de um artista
que, quando beatle, representava um risco para a
então União Soviética, por ser considerado um ícone
capitalista que prejudicaria o comunismo.
Sabe-se que o regime soviético de então era
fechado para o mundo ocidental, o que obrigava
a compra de discos dos Beatles no mercado negro,
como uma efetiva prática criminosa.
O cidadão soviético de então chegava a gastar
metade de um salário mensal para comprar, no
mercado paralelo, um único LP dos então chamados
rapazes de Liverpool.
Para reproduzir os tais discos, outros chegavam
a fazer cópias a partir da reciclagem de restos de
radiografi as, obtidos em lixos hospitalares.
Então, a apresentação de Paul em duas cidades da
Rússia tinha um apelo muito especial para mim, o
que acabou se confi rmando na emoção expressa nos
olhos dos russos encantados durante o show que, pasmem, teve a presença do presidente Putin. Ele,
inclusive, recebeu o ex-beatle em audiência.
No meio da multidão que lotava a bela Praça
Vermelha, havia um Cartaz no qual estava escrito:
Trinta Anos Esperando Você.
Estava tudo expresso ali. Era como um grito de
liberdade em reação a todos os efeitos negativos de
um regime duro (o que não é privilégio do velho
comunismo) que massacra as pessoas em favor de
valores absolutamente estranhos a tudo o que pode
ser considerado razoável, a não ser na cabeça das
pessoas que concebem esses absurdos.
Como se uma estrutura, seja ela qual for, tenha
o direito de escravizar humanos para a preservação
de ideologias, religiões, etc.
As lágrimas nos olhos dos russos que estiveram
na Praça Vermelha e em São Petesburgo nos alertam
para o perigo de certas soluções enganosas,
na medida que se apresentam como panacéias, ou
sejam, remédios para todos os males.
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Sobrevivência
Perdi a vida por delicadeza.
Rimbaud
Especialmente na primeira fase da vida, nos
ensinam deveres de cortesia e de respeito.
Depois, a adolescência nos empurra a reagir
contra tudo que impeça ou dificulte as rupturas
que somos obrigados a fazer, até mesmo para nos
posicionar diante de mundo (duro, até cruel) que
existe fora da casa dos nossos pais. Esses enfrentamentos
costumam doer.
Mais adiante, por convenções sociais e por interesses
outros de sobrevivência, levamos adiante
certas ações e, especialmente, omissões, que nunca
deixam de nos acusar quando avaliamos minimamente
a nossa qualidade de vida, normalmente em épocas de balanço, como no fim-de-ano ou quando
sofremos uma grande perda, especialmente de um
ente querido.
Então nos perguntamos: Por que tenho que ser
gentil com todos, algumas vezes sonegando a verdade
que deveria dizer, até porque alguns merecem
ouvir?
Ou, então, só porque me autorizei a falar tudo o
que penso do mundo, por que machucar as pessoas
dizendo-lhes coisas que elas não querem ouvir, até
porque não querem fazer progressos a partir de
vivências alheias?
Afi nal, não é novo o ditado de que cada um cresce
exclusivamente das suas próprias experiências.
Já vivo a época de refl etir sobre a minha vida, de
lamentar não ter vivido emoções simples porque
estava ocupado dos grandes eventos, que quase
sempre se esgotam em si, não deixando qualquer
marca importante.
Verdadeiramente, não dá para se viver com estrita
observância das regras de delicadeza com o meu
semelhante, se eu estiver me destruindo por isso.
Mas, também não gosto de mim quando me
autorizo a dizer para os outros exatamente tudo
aquilo o que penso deles, até porque não gostaria
de saber tudo aquilo que pensam de mim todas as
pessoas que conheço.
Como sempre os poetas nos socorrem: O ato de
viajar vale muito mais do que a própria viagem.
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Linha Tênue
A vida é uma linha tênue. Algo provisório entre
o passado e o presente. Ali pendurada, balançando
de um lado para o outro, muitas vezes aguardando
a nossa atitude, mas sempre ao sabor das brisas ou
das tempestades.
É certo que a vontade da gente pode simplificar
ou complicar as coisas aqui ou ali. Mas há algo
imponderável pronto a nos afrontar, sempre nos
lembrando a nossa impotência de mudar tudo.
No dia 07 de março de 2006, eu vivi intensamente
essa sensação de incapacidade diante de um
poder que mais alto que se alevantou, parodiando
Fernando Pessoa.
Era algo como 17h50min. Eu ao telefone com
o meu amigo Brandão. Falamos alegremente de
pessoas, de valores comuns e da sua saúde, que
andou frágil por falta de cuidados, mas que apresentou
grandes melhoras por conta de cuidados
antes incomuns, a ponto de o amigo conquistar
nota 10 no último check-up, cujos resultados soube
horas antes.
Também comentamos de um outro amigo, de convívio
cotidiano dele, que sobrevivera a um chamado seqüestro-relâmpago, apenas perdendo bens materiais.
Ironicamente nos alegramos com o saldo
de uma violência dessas porque as perdas foram
apenas materiais.
A conversa durou algo como quinze minutos.
Retomei ao trabalho que, como é sabido, rende
muito mais, entre 18:00 e 20:00, quando as naturais
interrupções já não acontecem.
Só que uns vinte minutos mais tarde, aconteceu
a pior das interrupções. Um outro amigo comum
perguntava se eu sabia o que acontecera com o
Brandão. Estranhei, mas comentei sobre a pessoa
que havia sofrido o seqüestro relâmpago.
Ofegante, Marcos me interrompeu para dizer
que Brandão acabara de ser baleado, ao sair do seu
trabalho, diante da esposa.
Mais dez minutos, outro telefonema. Brandão
acabara de morrer.
Fiquei atônito. A voz do amigo ainda soava
alegre no meu ouvido, no que imagino ter sido o último telefonema que ele fez antes dos tiros.
No velório, pessoas queridas. Até o médico que
dera as boas notícias do check up.
Como não pensar na Rachel de Queiroz ? Para ela,
a morte é velha amiga que vem de viagem e de
qualquer ponto manda um postal para indicar que
já embarcou.
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Machu Picchu
Uma semana em Machu Picchu (velha montanha
na língua do povo inca), no Peru, é suficiente para
um verdadeiro banho de cultura nos que vivem em
um tempo em que os valores do ter pesam muito
mais que os valores do ser.
Em uma cadeia de montanhas a 2.350 metros
de altura, acredita-se que a cidade tenha sido construída
por Inka Pachacuti (ou Pachakuteq), que
governou o Império entre 1438 e 1471.
Redescoberta pelo historiador americano Hiram
Bingham, em 1911, a cidade permaneceu perdida
por quase quinhentos anos e foi habitada por um
povo que adorava a natureza, especialmente o sol.
Impressiona que, há tanto tempo, a cultura
inca, a exemplo de outras culturas antigas, dominasse
técnicas de construção com blocos polidos;
de agricultura; de astronomia; de cuidados com a
natureza. Até mesmo de rudimentos meteorológicos
e das estações do ano.
Esse povo tinha apenas armas rústicas e nutria
pavor de cavalos, o que representou uma grande
vantagem ao conquistador espanhol.
Em um terreno bem acidentado, os incas plantavam
em canteiros , estrategicamente organizados, de
maneira que a produção agrícola não fosse diretamente
atingida pelo forte vento, comum na região.
As construções daqueles “selvagens” até hoje
resistem ao tempo e aos terremotos, não raros por
lá. O sistema de irrigação da cidade ainda funciona
normalmente.
O passeio é culturalmente encantador. Mas
também faz pensar: como um povo com essas
características foi dizimado pelo conquistador,
que pilhou o seu ouro; cobriu de terra os seus monumentos
pagãos, impôs-lhe uma religião cheia
de culpas, dando-lhe em troca doenças diversas e
tristeza moral?
O conquistador europeu levou-lhe muito mais
que tesouros. Acabou com a sua auto-estima e com
a sua dignidade, deixando aos descendentes do povo
inca pouco além do idioma quíchua falado no país,
além do espanhol.
A região é hoje habitada por um povo pobre e
de poucas perspectivas a médio prazo, agora pela
insensatez dos seus governantes e dos países dito de
primeiro mundo.
O Peru é uma importante oportunidade de
refl exão para aqueles que sistematicamente acham
melhor tudo o que vem de fora.
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Ponte Informática
Visitar uma livraria continua a ser um dos programas
mais interessantes e prazerosos.
Lá se acredita que o conhecimento seja o principal
meio de resgate da dignidade das pessoas.
A FNAC, da Av. Pedroso de Morais, São Paulo, é muito bem instalada, em um prédio moderno, em
frente a uma praça bonita, em que se expõem obras
de arte nos fins-de-semana.
No térreo, há uma sessão de eletrônicos. Fui
atraído por uma dessas maravilhas que a tecnologia
nos apresenta hoje como novidade e, muito pouco
tempo depois, nos comunica que temos mais uma
peça de museu.
A atração era um chamado palm top minúsculo,
com muitas funções. Ensaiei umas cutucadas na
novidade, logo desistindo, rendido por incontornável
inabilidade.
Sem notar, era observado por um garoto maltrapilho,
com aquele aspecto carente de tudo, especialmente
de carinho e de afeto, não raro para boa parte
das nossas crianças, moradoras de rua ou não.
Apesar de tudo, o garoto sorria, feliz por não ter sido notado pela segurança da loja. Com desenvoltura
ele mexia seguidamente naquelas maravilhas, o
que não o impedia de notar a minha inabilidade.
Então disse alegre: Tio, faça assim, assim, ...
Olha, eu sei tirar uma foto sua.
E tirou.
Eu fiquei surpreso com a sua habilidade com os
mais diversos aparelhos expostos na loja. Começamos
a conversar e eu retribui a gentileza tirando
uma foto sua no meu celular.
Nos despedimos alegremente e eu levei comigo
a certeza de que com um mínimo de oportunidade,
as nossas crianças, especialmente as carentes,
descobrirão o maravilhoso mundo da tecnologia,
que poderá resgatar dignidades.
Sai convicto de que não é necessário muito recurso
para que acabemos com o fosso social que macula a história
recente do Brasil. A informática poderá ser uma
ponte para que importante número de nossos jovens
deixem a indigência, que está a um passo da
criminalidade.
E cada um pode fazer um pouco.
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Socorro ao Macho
Ainda hoje, em pleno Século XXI, aqui e em
boa parte do mundo, ainda se atribui ao homem
uma “superioridade” que, pelo menos na infância,
ele nunca pediu.
É fato que o ser humano do sexo masculino tem
pulmões maiores que o das mulheres, pelo fato de a
estrutura reprodutora feminina precisar de espaço
adicional que, nelas, é tomado desses órgãos.
E a vantagem do macho fica limitada à maior
força física. Ainda assim, garante privilégios sociais,
mesmo perdendo sensibilidade com o empobrecimento
de suas vidas.
Em ambientes culturalmente menos injustos, essas
aspas têm razão de ser porque a tal vantagem simplesmente
se esvai diante da maior sensibilidade
preservada na mulher, que já é aquinhoada pela a
capacidade da geração da vida.
Então, o homem volta-se aos aspectos mais
práticos, atrofiando a capacidade de olhar tudo
em volta de uma forma mais terna, amena, mais
humana até.
A imprensa tem mostrado que, na Suécia, desde o pré-primário, cuida-se para que os professores
não pratiquem ou não incentivem os chamados
preconceitos do gênero, termo politicamente
correto para identificar aquelas situações em que
seres humanos são tratados de forma diferente,
em situações iguais, apenas por serem meninos,
ou meninas.
A partir da tomada de consciência do governo
daquele país, os educadores começaram a observar
(e a se surpreender) com as suas próprias atitudes,
quando, já no primeiro dia de aula, diante dos
obstáculos próprios dessa fase, tratam de forma
diferente os pequenos e as pequenas, na natural
resistência das crianças à entrada na escola, quando
se agarram nos pais e choram.
Se for garoto, a professora pega na sua mão e diz:
Vamos, vai ser legal, você vai brincar bastante
e fazer novos amigos. A atitude será diferente
com uma menina, quando a mesma professora a
põe no colo, a afaga e lhe diz baixinho, que está
tudo bem, que não precisa ter medo.
Já começa tudo errado, diz a educadora.
Os chamados preconceitos do gênero acabam se
espalhando por toda a rotina escolar e, naturalmente,
pela vida afora, quando se patrulha o macho para
que não tema nada, seja forte, destemido. Afinal, “homem não chora”.
E, de forma quase imperceptível, comportamentos
diários vão reforçando o problema, aprofundando
o fosso social entre a mulher e o homem e
negando ao macho o supremo direito à fragilidade, à ternura, ao medo, à sensibilidade, enfim, à possibilidade
de ser um ser humano mais feliz, que
convive com as suas fragilidades pelos enfrentamentos
da vida, o que é bem diferente de um desses
xaxins emocionalmente desidratados, que perambulam
pelas suas existências, encurtando as suas
vidas artificiais.
Alguém poderá dizer que este texto é uma apologia à figura do macho-vítima.
De imediato, respondo: Alguém conhece um
machão que não tenha sido gerado em uma mulher?
A licença da emoção ainda vai colaborar para se
desvendar o mecanismo que garante maior tempo
(e qualidade) de vida à mulher. É só olhar em volta
e notar que a quantidade de viúvas é sempre maior
que a de viúvos, seja qual for a classe social a que
pertençam.
A expressão de sentimentos jamais ameaçará a
masculinidade de ninguém, mas contribuirá para
melhorar a qualidade de vida dos seres. Fêmeas ou
machos.
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Alvorada Instituição de Promoção Humana
A Alvorada trabalhará no incentivo ao desenvolvimento
humano, com atividades didáticas voltadasà formação profissional, à prevenção de doenças, à
melhoria no nível de aprendizado e do padrão de
alimentação.
No encerramento de cada atividade, os participantes
receberão um incentivo pela presença, por exemplo,
alimentos, ferramentas, material escolar, sempre
dentro do princípio da valorização do homem, que
será incentivado à conquista dos seus ideais e não a
ser passivamente provido por caridade.
O projeto está estruturado para ser sustentado
por pessoas sensíveis ao problema social vivido no
Brasil, mediante contribuições contínuas que sustentem
o trabalho e não permitam interrupções por
falta de recursos, ou que o submetam exclusivamente à ajuda eventual, em épocas especiais.
Sem orientação ideológica, política ou religiosa,
até para merecer o apoio de qualquer corrente de
pensamento, o trabalho engajará qualquer pessoa
comprometida com o bem do próximo.
Os registros da entidade (especialmente o seu patrimônio,
movimento fi nanceiro, etc.) serão sempre
públicos. Alguns dados já estão disponibilizados em
site na Internet. (www.alvorada.org.br)
A fase de organização legal foi iniciada após o
que será formalizada a recepção de um terreno situado
no Bairro de Guaianases, São Paulo, próximo à Estação do Expresso Leste (Rua Padre Luiz Gonzaga
no 15) imóvel este já oficialmente destinado à
obra pelo seu proprietário.
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