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Carlos de Oliveira

"Uma Abelha na Chuva"*, versão pdf gratuita.

Uma Abelha na Chuva

Uma abelha na chuva: a luta de classes e o sarcasmo traçado no tocante à igreja Uma abelha na chuva: the class struggle and the sarcasm traced about the church Janio Davila1 Luan Rodrigues de Figueiredo2 Abstract: In this work we propose an analysis of the narrative A Bee in the Rain, by Carlos de Oliveira, (published in 1953), highlighting some elements that characterize the work as representative of the period called Portuguese neo-realism. This famous novel tells the story of Álvaro Silvestre, representative of the Portuguese bourgeoisie “without a coat of arms”, married to Maria dos Prazeres, representative of the nobility that has a name but not capital. The story deals with the failure of the marriage motivated by interest and the consequences of the frustration resulting from the relationship, which generates feelings of distrust, crises of conscience, remorse and doubts that permeate the work, causing Álvaro to spend much of his time drunk. He is an apparently devout man, but driven by greed and vindictive feelings, uttering a religious discourse to everything that is proposed by the church. The intense criticism of the Portuguese society of the time is evident both in the construction of the characters of different classes and their relations, and in the interventions of the church and its connivance with the upper classes. The study is based on the contextualization of some characteristics and ideals of this period, strongly influenced by specific socio-literary factors, especially based on the ideas developed by Carlos Reis in Introduction to reading A Bee in the Rain (1996). In the following part, we will go to the direct analysis of the text, focusing on issues of conflict between different classes, triggered by geographic, political and social factors, as well as criticism of the actions of the church allied to the upper classes, analyzing how these factors are instituted through the construction of the characters and their relationships. Keywords: Portuguese neo-realism, contrast among characters, church representation. Resumo: Neste trabalho propomos uma análise da narrativa Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira, (publicada em 1953), destacando alguns elementos que caracterizam a obra como representante do período denominado neorrealismo português. Romance consagrado que narra a história de Álvaro Silvestre, representante da burguesia portuguesa “sem brasão”, casado com Maria dos Prazeres, representante da nobreza que possui nome, mas não capital. A história trata do fracasso do laço matrimonial por interesse e as consequências da frustração resultante da relação, que gera sentimentos de desconfiança, crises de consciência, remorso e dúvidas que perpassam a obra, fazendo com que Álvaro passe boa parte do seu tempo embriagado. Um homem aparentemente devoto, mas movido por sentimentos gananciosos e vingativos, proferindo um discurso religioso a tudo aquilo que é proposto pela igreja. A intensa crítica à sociedade portuguesa da época fica evidente tanto na construção das personagens de diferentes classes e suas relações, quanto nas intervenções da igreja e sua conivência com as classes superiores. O estudo parte da contextualização de algumas características e ideais deste período, fortemente influenciado por fatores socioliterários específicos, fundamentada, especialmente, nas ideias desenvolvidas por Carlos Reis em Introdução à leitura de uma abelha na chuva (1996). A seguir, partiremos para a análise direta do texto, dando enfoque para as questões do conflito entre diferentes classes, desencadeado por fatores geográficos, políticos e sociais, e também da crítica às ações da igreja aliada às classes superiores, percebendo como estes fatores são instituídos através da construção das personagens e suas relações. Palavras-Chave: neorrealismo português, contraste entre personagens, representação da igreja. 1 Introdução O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise da obra Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira, destacando os elementos que caracterizam esta obra como representante do período denominado neorrealismo português. Uma abelha na chuva foi publicado em 1953, romance consagrado que trata da história de Álvaro Silvestre, representante da burguesia portuguesa “sem brasão”, casado com Maria do Prazeres, representante de uma nobreza que possui o nome, mas não o capital. A obra narra o fracasso do laço matrimonial por interesse e as consequências da frustração que 1 Graduação em Letras Português e Literaturas pela UFSM. Mestrando em Estudos literários pela mesma instituição. E-mail: . 2 Graduação em Letras Português e Literaturas pela UFSM. Mestrando em Estudos literários pela mesma instituição. E-mail:. 200 resulta desta relação. Os sentimentos de desconfiança, crise de consciência, remorso e dúvida dominam Silvestre durante toda a obra, fazendo a personagem passar boa parte do tempo imersa no álcool. Após ouvir o seu cocheiro narrar para Clara que sua patroa “o come com os olhos”, Silvestre resolve contar para o pai da moça sobre a relação proibida entre ela e o cocheiro, resultando, deste ato, a morte do empregado. É possível observar na obra uma forte crítica à sociedade portuguesa da época, crítica esta que fica evidente tanto na representação da questão de classe quanto na representação das personagens ligadas à igreja. Na primeira parte do nosso trabalho, faremos uma contextualização do que foi o neorrealismo português, quais são as suas características e ideais, para, em um segundo momento, partirmos para a análise direta da obra, dando enfoque para as questões do conflito de classes desencadeado por fatores geográficos, políticos e sociais, e também da crítica às ações da igreja aliada às classes superiores. 2 O neorrealismo português No capítulo inicial do livro Introdução à uma leitura de Uma abelha na chuva, Carlos Reis assinala que o neorrealismo português foi um período literário fortemente influenciado por fatores socioliterários específicos e relacionados com outros movimentos ideológicos e contemporâneos. Os neorrealistas nutriram-se de coordenadas sociais e históricas, desta forma, ganham grande importância fenômenos como a crise dos anos 1920, as ditaduras instauradas na época, e o deflagrar da Segunda Guerra Mundial (REIS, 2005). Ao pensarmos em neorrealismo, podemos imediatamente fazer uma relação mental de oposição com termos como “arte pela arte” e “formalismo”. Como membros de um movimento de forte caráter social, os neorrealistas enxergavam na arte uma forma de práxis, de ferramenta para a mudança do sistema. Desta forma, temas como a miséria, a fome e a luta de classes passam a figurar nas páginas dos romances da época. A função do artista não poderia ser desvinculada da realidade social: caberia a ele a missão de, junto com a classe proletária, ser um agente de mudança3 . O movimento português foi fortemente influenciado pelo Realismo socialista, ação soviética de inspiração ideológica marxista. O movimento começou a ganhar corpo em Portugal nos anos 1930 com a produção de autores como Antonio Ramos de Almeida e Jofre Amaral Nogueira. Na década seguinte, começa a consolidação com a obra dos artistas da Geração de 40, destacando-se Alves Radol, com o romance Gaibeús (1939). A influência destes autores também veio da América do Norte, da chamada Geração Perdida nos Estados Unidos e do romance de 30 brasileiro. Entre os americanos pode-se citar John Steinbeck, Sinclair Lewis, Ernest Hemingway, Willian Faulkner e outros. Entre os brasileiros, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel Queiróz, e outros nomes do romance regionalista brasileiro. Nas palavras do português Mário Dionísio: Mais voltados para Amado ou para Lins do Rego, para Érico Veríssimo ou para Amando Fontes, menos talvez para Graciliano Ramos, em que Carlos de Oliveira descobriu logo com razão o maior de todos, a eclosão do romance neo-realista português fora profundamente marcada por esses livros, que se compravam às escondidas, se passavam de mão em mão, versavam problemas semelhantes aos nossos e podiam terminar assim: “Porque a revolução é uma pátria e uma família.” 3 A imagem do artista como agente da mudança social fica clara no poema O poeta operário, do russo Vladmir Maiakóvski: Grita-se ao poeta: /“Queria te ver numa fábrica!/O quê? versos? Pura bobagem! Para trabalhar não tens coragem”./Talvez/ninguém como nós/ponha tanto coração/no trabalho./Eu sou uma fábrica./E se chaminés/me faltam /talvez/sem chaminés/seja preciso/ainda mais coragem. [...] Quem vale mais:/o poeta ou o técnico/que produz comodidades?/Ambos! /Os corações também são motores./A alma é poderosa força motriz./Somos iguais./Camaradas dentro da massa operária./Proletários do corpo e do espírito./Somente unidos, /somente juntos recomeçaremos o mundo, /fá-lo-emos marchar num ritmo célere [...]. 201 Aqui e além, não será improvável encontrar pequenas influências do padrão lingüístico brasileiro nos nossos escritos da época. (DIONÍSIO, 1999, p. 18) As palavras de Dionísio evidenciam a importância que o romance social brasileiro exerceu no Neorrealismo português, inclusive na obra do próprio Carlos de Oliveira, autor da obra a que este texto se propõe discutir. Conforme Massaud Moisés, tanto a vertente brasileira quanto a norte-americana se assemelham, grosso modo, nas novidades introduzidas, como a objetividade sem a destituição do lirismo autêntico e realista, a simpatia pelos propósitos de reconstrução social, e o desejo de fazer uma literatura sem heróis (MOISÉS, 2008). As palavras de Moisés esclarecem a presença de personagens que se mostram frutos do contexto social, sem heroísmo ou ideal, e que estão apenas lutando para poder sobreviver às situações miseráveis a que são submetidas. 3 Uma abelha na chuva No primeiro capítulo de Uma abelha na chuva, já somos apresentados ao seu protagonista, Álvaro Silvestre, comerciante da burguesia da aldeia de Montouros, que se dirige até a comarca local para publicar no jornal uma nota de arrependimento pela sua conduta desonesta. Silvestre relata no bilhete que quer publicado: Eu, Álvaro Rodrigues Silvestre, comerciante e lavrador no Montouro, freguesia de S. Caetano, concelho de Corgos, juro por minha honra que tenho passado a vida a roubar os homens na terra e Deus no céu, porque até fui mordomo da Senhora do Montouro sobrou um milho das esmolas dos festeiros que despejei nas minhas tulhas. Para alguma salvaguarda juro também que foi a instigações de D. Maria dos Prazeres Pessoa de Alva Sancho Silvestre, minha mulher, que andei de roubo em roubo, ao balcão, nas feiras, na soldada dos trabalhadores e na legítima de meu irmão Leopoldino, de quem sou procurador, vendendo-lhe os pinhais sem conhecimento do próprio, e agora aí vem ele de África para minha vergonha, que lhe não posso dar contas fiéis. A remissão começa por esta confissão ao mundo. Pelo Padre, pelo Filho, pelo Espírito Santo, seja eu perdoado e por quem mais mo puder fazer. (OLIVEIRA, 1980, p. 6-7) O que motiva Álvaro a este ato de confissão pública é a volta de seu irmão Leopoldino. Após julgar que o irmão havia morrido na África, Álvaro dá fim aos seus bens. Durante toda a narrativa, ele carregará consigo o sentimento de culpa, porém, sem que este sentimento o impeça de continuar cometendo atos inescrupulosos. Após entregar a relação de Jacinto e Clara ao pai da moça, o que acaba resultando na morte do empregado, ele mergulha em mais uma crise de culpa. Sempre se embriagando de brandy, percebemos que a bebida é usada constantemente como uma forma de fuga da sua consciência. A crise econômica dos anos 1920 e a instauração de regimes políticos de feição totalitária configuram um período de grande crise financeira para o povo português. Essa realidade é transportada para o universo diegético da obra, o qual é perpassado pelo conflito de classes, constituído por diferentes posições sociais representadas na narrativa. De um lado Álvaro, um comerciante e lavrador desonesto que acumula recursos por meio de roubos e trapaças, de outro Jacinto, o cocheiro, trabalhador íntegro pertencente a uma camada desfavorecida, vulnerável. A discrepância entre as personagens é introduzida na descrição inicial de cada uma. Enquanto Álvaro é caracterizado minuciosamente: [...] um homem gordo, baixo, de passo molengão; samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo enlameadas, mas via-se que não 202 era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado. (OLIVEIRA, 1980, p. 1) Jacinto é mencionado brevemente como “o cocheiro, alto e ruivo, fez estacar o animal em frente do Café Atlântico e saltou da boleia para receber as ordens da dona da charrete” (p. 13) exercendo sua atividade, subordinado às ordens de sua patroa. Mais adiante, outras descrições são acrescentadas à imagem do cocheiro: “o queixo espesso, o nariz correcto, a fonte não muito ampla mas firme. [...] parecia uma moeda de oiro. [...] e a tensão (a atenção) dava-lhe um relevo enérgico aos tendões do pescoço [...]” (p. 19). De um lado temos um homem pacato, gordo, de passos largos, que parece arrastar-se pela vida, inundado por um sentimento de culpa que não permite o seu desenvolvimento como ser humano. Por outro, um trabalhador honesto, obediente, enérgico, incapaz de qualquer espécie de letargia. Álvaro é um homem que percebe a vida como o acúmulo de bens materiais, constituída apenas por elementos físicos, desprovido de qualquer tipo de desenvolvimento espiritual, características figurativas de um representante burguês: Vida e morte o que são? A morte é perder as terras, a loja, o dinheiro, para sempre; e apodrecer, devorado pelos vermes; [...] imaginou-se demoradamente no caixão aberto, ainda em casa, ainda acompanhado do murmúrio humano que o velava, daí a nada atirado à garganta da cova com cal por cima e terra, depois a lousa, o abandono: os outros regressam a casa e eu para ali fico, sufocado, sozinho, a morrer outra vez [...] o latim do padre Abel no cemitério, as pazadas de terra a cair no caixão, o fervilhar irreparável dos vermes. (p. 57-58) A condição subordinada de Jacinto é percebida nas passagens que tratam do seu envolvimento amoroso com Clara, relação essa rejeitada pelo pai da moça devido às poucas posses do cocheiro. O velho declara sua aversão à união do casal, assim que tem conhecimento do fato, narrado pelo patrão de Jacinto, Álvaro: – A verdade não precisa de grande palavreado, e aí vai: a sua filha desgraçou-se. [...] –Vamos conversar, Álvaro Silvestre, vamos conversar um bocado e ou isso é uma mentira refinada e a conversa há-de ter que se lhe diga ou é verdade ou o cão que me mordeu a filha não morde em mais ninguém. – Hoje de madrugada, a sua filha e o meu cocheiro estavam deitados na palha do curral onde vocemecê recolhe o gado. (p. 114) O caráter opressivo que tenciona a relação entre as personagens torna-se mais agressivo após a morte do cocheiro e a naturalidade como o fato é tratado pelos responsáveis. O confronto entre a classe dominante e a classe dominada, após o episódio do crime, ferve ainda mais: os principais responsáveis acabam ilesos, os agentes do crime presos, e Jacinto, sem vida. As penalidades são proporcionais às condições de vulnerabilidade de cada um, ou seja, o mais desprovido de recursos é o mais castigado, enquanto o mais poderoso não sofre consequência alguma. Outro aspecto que julgamos importante na análise de Uma abelha na chuva é a ironia do narrador em relação às personagens ligadas à igreja, mais precisamente Padre Abel e D. Violante. Não podemos afirmar que haja na obra uma crítica explícita aos comportamentos religiosos e dos religiosos, porém há, certamente, um sutil sarcasmo no tratamento dado a essas personagens. Antes mesmo de sermos apresentados a Padre Abel, já somos informados de um deslize seu. No capítulo V, o narrador revela como D. Maria dos Prazeres ficou sabendo das intenções do marido de publicar seus erros. Ela foi informada pelo próprio Padre, o qual quebrou o segredo de confissão e entregou a ela o que o marido lhe disse no confessionário. 203 O sarcasmo volta a se manifestar na obra quando o Padre e a freira entram de fato em cena, no sétimo capitulo. Após chegarem da Comarca, Álvaro e a esposa recebem em casa o casal de religiosos para um serão. A relação dos dois já é posta em dúvida na forma como D. Violante é apresentada: “Chamavam-lhe a irmão do padre, num sublinhar irônico do parentesco que deixava em aberto as suposições mais escabrosas” (p. 38). Mas não é só a igreja que sofre críticas pela hipocrisia das crenças. Ainda no capítulo VII, somos informados que a misteriosa relação entre Abel e Violante, inicialmente, gerou indignação na “viúva do Teixeira marchante, riquíssima e piedosa” (p. 38). Ela tenta intervir junto ao bispo-Conde para cobrar uma atitude em relação à suposta mancebia do padre e da freira. Porém, a campanha da viúva perde força quando o padre começa a se relacionar com a nobreza e com o próprio bispo. A relação amorosa que antes era inaceitável, torna-se tolerável, já que o padre “se dá com nosso bispo-Conde. É um dos poucos que comem a mesa quando vai ao Paço” (p. 39). À medida que o enredo vai se desenvolvendo e ficando mais grave, a atitude complacente da igreja com os nobres também vai ficando mais evidente. A ironia em alguns casos vai ficando mais ácida. Enquanto a polícia prendia o mestre oleiro e seu subordinado, o Padre Abel estava em Congos em uma reunião “de puro caráter religioso [...] não se trata de política como pretendem os agitadores da vila [...] política só conhecemos uma, a da salvação das almas” (p. 163-164). Após o esclarecimento de que a prisão resultou da denúncia de Clara, a filha do oleiro, é este o fato que passa a receber críticas dos dois religiosos. O assassinato fica em segundo plano. O atentado à moral é a filha ter denunciado o pai. O padre comenta: “Desta vez não fosse a rapariga denunciar o pai, o que é um verdadeiro atentado à moral familiar” (p. 166). Ao que a freira responde: “repugnante padre Abel, mas o povo é assim” (p. 166). Entre as personagens do romance que tentam analisar a situação sem a hipocrisia burguesa ou cristã destaca-se o Dr. Neto. O médico que estuda as abelhas é o único que faz objeções ao tratamento dado à morte de Jacinto. O povo, revoltado ao descobrir que foi a delação de Álvaro que desencadeou tudo, invade a casa dos nobres e vidraças são quebradas. Durante o serão noturno, as vidraças parecem ser a preocupação maior de Maria dos Prazeres. A discussão se torna acalorada quando o médico se manifesta ao dizer de forma irônica que está “quase a admitir que a morte de Jacinto é tão importante quanto as vidraças” (p. 170). O padre, que teoricamente deveria assumir a mesma posição de crítica à equiparação entre vida e bens materiais, pelo contrário, não dá a mínima atenção. Tenta, justamente, dar outro rumo à discussão. “Mas que paciência, enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Que notícias há do Leopoldino, D. Prazeres? Voltaram a ter carta?” (p. 171). Por fim, no capítulo final, o padre usa seu sermão da missa dominical para ajudar Álvaro Silvestre. Descontente com o falatório causado pela delação de Silvestre, padre Abel faz uma crítica aos que estão apontando a culpa do comerciante: “O boato é um vício detestável [...] Porque gera a calúnia e a calúnia engendra a infâmia e das infâmias há-de Deus pedir-nos contas quando chegar a hora” (p. 177). 4 Considerações finais As considerações finais que se instituem a partir do que foi exposto na análise demandam dois pontos importantes de reflexão ligados intimamente à questão da crítica social: a luta de classes e o sarcasmo traçado no tocante à igreja. Deste modo, podemos dizer que as relações de hierarquia expostas acarretam uma penalidade absurdamente maior nas classes menos favorecidas, e são reduzidas conforme a posição social ocupada pelos sujeitos. O cocheiro, mesmo sendo portador de boa índole, resistente nos contratempos impostos, acaba penalizado com o fim da sua existência. Da mesma forma, a igreja é retratada no espaço social representado na obra, funcionando como 204 um meio de redenção por uma teoria não praticada. O discurso religioso é proferido por personagens que se opõem a tudo o que é proposto pela igreja, como no caso de Álvaro, aparentemente devoto, mas movido por sentimentos gananciosos e vingativos. A opressão exposta de forma delatora reflete de maneira articulada a organização e os problemas de graves proporções que ocorriam no ambiente social português da época. A prática literária Neorrealista, intimamente ligada a problemas sociais e economicamente dimensionados, retrata de forma concreta o cenário português por meio de recursos narrativos operantes, cumprindo o seu papel de ligação entre a Literatura e o homem concreto, que é demarcado tanto histórica quanto economicamente, lutando por uma representação direta e despudorada dos conflitos sociais [...]” (REIS, 2005). Referências: DIONÍSIO, Mário. Uma Pequena Grande História. In: PIRES, José Cardoso. O anjo ancorado. Lisboa: Dom Quixote, 1999. MAIAKÓVSKI, Vladimir. Vida e Poesia. São Paulo: Martin Claret, 2011. MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008. OLIVEIRA, Carlos de. Uma abelha na chuva. Lisboa: Sá da Costa, 1980. REIS, Carlos. Introdução à leitura de Uma abelha na chuva. Coimbra: Almedina, 2005.

 

 

 

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